Texto de Sebastião Calomeno (In memoriam)
(20/01/1905 – 17/06/1994)
Voltando o
pensamento aos tempos da minha infância, tantas coisas importantes se me
retratam vivas, deixando-me profunda recordação.
Vejo a velha vila
de Curitibanos com as suas curtas ruas, apenas três, Cel. Vidal Ramos, Lauro
Müller e Conselheiro Mafra, sem qualquer início de calçamento, andando-se
pisando a terra e nos dias de chuvas o uso de botas era obrigatório.
A primeira da sua
esquina com a da Cel. Albuquerque até a residência dos Irmãos Dolberth. A
segunda, da esquina da Cel. Albuquerque, vinha se findar onde está instalada a
agência do Unibanco. A terceira partia da frente do antigo convento dos
Reverendos Padres Franciscanos até alcançar a esquina com a Benjamin Constant.
Para a frente desta rua seguia um caminho fundo com barrancos laterais e, a
esquerda, o velho tanque extinto para o traçado de novas vias públicas, onde os
animais iam saciar a sede.
As transversais que
têm atualmente os nomes de Cel. Albuquerque, Cel. Henrique Paes de Almeida e
Benjamin Constant chamavam-se de becos.
As principais eram
cuidadosamente varridas diariamente, e a periferia de denso vassoural e
guamirim, roçados periodicamente, amontoado e queimado pelos trabalhadores da
então Superintendência Municipal.
A praça da
República, um vasto terreno vago pontilhado de pedrinhas de manganês próprias
para a indústria do vidro, ficava, como ainda hoje, em frente à Igreja Matriz
da Senhora da Imaculada Conceição.
Guardo na memória
as pessoas dos dedicados serviçais da casa dos meus finados pais, dos velhos
habitantes, cerca de três a cinco mil; das casas distanciadas umas das outras,
construídas de madeiras no estilo antigo, algumas com calçadas de pedras
trazidas no cargueiro da fazenda do Paredão, como era a da nossa casa. Da Cel.
Albuquerque e Francisco de Oliveira Lemos; dos antigos comerciantes, um deles
meu saudoso pai Salvador Calomeno com a sua abastada casa “Estrela” na rua Cel.
Vidal Ramos, onde reside o Dr. Altino Lemos de Farias com escadaria na frente,
que levava as portas de entrada da Loja e de visitas.
Conheci as casas e
os negociantes Cel. Francisco Ferreira de Albuquerque, Francisco de Oliveira
Lemos, sucedido por seu filho Domingos, João Caetano da Silva; Sergílio Paes de
Farias, Clemente Alves do Prado, Francisco Roiter, com bar e bilhares. Davi dos
Santos Maciel com padaria, onde se ia comprar pães, e apetitada bolachas e
pés-de-moleque e outros doces e guloseimas, pagando com vinténs unidades da
nossa moeda circulante naquelas datas passadas.
Mais tarde outros
cidadãos foram-se estabelecendo e o comércio aumentando.
Não havia estradas
de rodagens.
Lembro-me das
nossas modestas escolinhas; dos nossos queridos pretinhos, tio Agostinho Belo e
tia Maria; tio Silvestre, de pernas curvadas, cavalgando uma guecha de pelo gateado, muito ligeira,
que o trazia da sua chácara ao centro do povoado e tia Maria, sua mulher; tio
Firmino do Espírito Santo e tia Margarida; tio Pedro Fabiano da Rosa,
responsável como era igualmente, Joaquim Prestes de Souza e Jerônimo Pires de
Lima pelos cuidados e preparo da tropa de cargueiros transportadora das
mercadorias da firma Hoepeck de Florianópolis, de Blumenau, de Rio do Sul para
a loja de tecidos, armarinhos, secos e molhados, como se dizia na época, de
propriedade do meu pai.
As viagens da tropa
demandava dias e dias ainda mesmo com o bom tempo, passando por estradas
íngremes, descendo e subindo serras, atravessando rios, além do risco de ser
atacado pelos indomáveis índios que habitavam as regiões da Serra dos Pires,
Ilhéus e Morro da Subida, como também enfrentava chuvas e frio na estação do
Inverno.
Tia Ricarda,
lavadeira de roupas, trabalhava constantemente na casa da minha extremosa mãe,
Jesubina Rosa de Oliveira Calomeno, ajudada pelos demais empregados, no fabrico
de tachadas de sabão, velas de sebo, marmeladas, torrefação de café moído por
duas ou três mãos, no sistema de pilão.
Eu, garoto
irrequieto que fui, meus irmãos Miguel, Francisco (Tiquinho), crescidos, minha
irmã única, Adalgisa (Zica) e o caçula Carlos (Lico), estávamos sempre
recebendo os bons conselhos de uma mãe de temperamento sereno, amorosa e
exemplar Dona-de-casa.
Integrava a
família, Nicolau Signoreli, afilhado e criado na mesma consideração e carinho
dos filhos da casa, e Antonio Mafra da Rocha, professor de nós menores.
Com o falecimento
do meu pai, Nicolau, moço compenetrado, inteligente, de boa instrução a quem
minha mãe depositava inteira confiança pela honestidade que sempre revelou,
teve a árdua incumbência, com a colaboração dos irmãos de mais idade, de
administrar os muitos bens adquiridos pelo desmedido, grande tirocínio e
dinamismo de trabalho de que era natural possuidor meu pai, orientar e
solucionar os mais variados negócios da família.
Aos quatro anos de
idade, minha mãe e os meus irmãos sofremos o rude golpe da perda do nosso
chefe, em 4 de agosto de 1911, falecimento ocorrido na cidade de Lages, para lá
conduzido em banguê, nos ombros dos seus inúmeros amigos, compadres e parentes,
numa jornada de muitos dias, com descanso de trecho em trecho, troca de animais
e de outras providências exigidas pela urgência da chegada do enfermo em estado
grave, a fim de ser submetido aos cuidados médicos.
Tempos passados,
não se podia valer de outros meios de condução senão o lombo dos animais.
Miguel, o primeiro
dos irmãos ao falecer nosso pai, estudava no Colégio Catarinense em
Florianópolis, Francisco e Nicolau no colégio São José de Lages, dos Reverendos
Padres Franciscanos, presentemente capela da Paróquia.
Iniciei o
conhecimento das primeiras letras aos cinco anos de idade no colegiozinho dos Reverendos padres Franciscanos,
atualmente Colégio Santa Terezinha. Tive a felicidade de estudar catecismo que
aos alunos ministrava o imortal sacerdote Frei Rogério reverenciado em todo o
Brasil com respeitosa memória. Nutro
intensa saudade dos meus primeiros mestres.
Somos três irmãos
remanescentes, idosos com as saúdes abaladas, graças a bondade do todo poderoso
ainda respiramos o ar acalentador da existência, aguardando como aguardavam os
dois que nos deixaram o convívio por terem sido chamados por Deus, que a sábia
e patriótica administração municipal em homenagem póstuma perpetue numa rua ou
praça, o nome daquele que ombreou com o governo do município e soerguimento
desta histórica cidade.
Cruzei a minha
meninice e hoje, sentindo o peso dos anos, aqui estou depois de ter ocupado
vários cargos públicos, premiado com a aposentadoria da qual me fiz credor
pelos anos de serviços prestados ao Estado e ao Município tendo presente
aqueles dias despreocupados e alegres da criança.
Lembro-me de que a
juventude, na época, não contava para divertir-se com melhor ambiente social
pela inexistência de entidades recreativas organizadas. As domingueiras e os
bailes, promoviam-se nas residências das famílias amigas nas datas dos
aniversários, batizados e casamentos.
Das nossas bandas
de músicas pelos competentes maestros Lourencinho Batista, Marcolino Amaral,
coletor federal aposentado, Cândido Rodrigues de Lima e Alfredo Lenser, todos na
missão celeste entoando com os anjos, as melodias do altíssimo.
Não esqueço o
contato com meus inesquecíveis padrinhos e madrinhas que me levaram à pia
batismal entregando-me no rebanho de Cristo. Deles sempre ouvia as meigas
expressões: “Deus te abençoe” constituindo um conforto para mim porque o meu
sempre lembrado pai, assim não mais me saudava.
No instante que
escrevo este pequeno trabalho de recordação, o faço, sentindo passar-me pela
mente todas as fases da minha permanência por esta benfazeja terra, desde os
primeiros passos aos últimos dias que ainda vivo.
Os meus colegas de
aulas e companheiros nas brincadeiras do pião de fieira, barra, da gata cega,
da pandorga, das bolinhas de vidro, das fugidas de casa para os banhos no poço
da taipa e nas lagoas, com aquela cordialidade de vida infantil. Muitos deles
não tenho mais encontros porque o pai do céu os convidou para ocupar seus
lugares na glória eterna, a eles ofereço minhas orações. Aos sobreviventes,
amigos íntimos, o meu fraterno abraço.
Parodiando Casemiro
José Marques de Abreu, poeta da saudade e do amor, com ele canto uma das
estrofes dos seus oito anos:
Como são belos os
dias
Do despontar da
existência
Respira a alma inocência
Como perfumes a
flor;
O mar – é um lago
sereno,
O céu – um manto
azulado,
O mundo – um sonho
dourado
A vida – um hino d’amor
(Data provável do
texto - 02/setembro/1988)
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