terça-feira, 29 de novembro de 2022

O BUTIEIRO

Texto de Antonio Carlos Popinhaki

A árvore é uma palmeira. Seu nome científico é butia eriospatha ou butia capitata. É uma planta conhecida na nossa região como butiá, butiá-da-serra, butiazeiro e butieiro. Pode ser encontrada nos três estados do sul do Brasil. Conforme a União Internacional para a Conservação da Natureza — UICN, está em vulnerabilidade e arrisca entrar em processo de extinção. A história de Curitibanos não pode ser escrita sem mencionarmos a presença dessa importante palmeira no cotidiano dos muitos moradores, em várias épocas. 

Os povos originários ou os primeiros habitantes do local, foram os indígenas. Cinco séculos antes dos portugueses aportarem em terras brasileiras, existia na região, que hoje é a serra catarinense, vários povoados pertencentes ao povo “proto-jê”, principais ancestrais dos indígenas que viviam no que hoje é o Estado de Santa Catarina. O prefixo “proto” é usado comumente para englobar todos os atuais ancestrais dos habitantes do Sul. Seus descendentes são os índios xoklengs e os kaingangs. “” é relacionado aos povos nativos sul-americanos. O município de Curitibanos teve o seu chão, em idos tempos, povoado pelos índios botocudos. Esse puro sertão tornou-se convidativo para o homem branco desbravador. Tropeiros cansados encontram nessas terras, um ponto estratégico para recobrar as suas forças. E foi assim que lhes foi apresentado os butieiros, com os seus doces frutos, os butiás. Viram e aprenderam com os indígenas regionais, a utilização da folha do butieiro para a confecção de cestos, chapéus, bolsas, redes e armadilhas para a caça e pesca. Viram que os galhos cortados, com folhas, poderiam ser utilizados para a cobertura de cabanas e rústicas casas.

Os anos e séculos passaram rapidamente, foi só no século XX que a prática de desfiar folhas de butieiro movimentou uma parcela da economia da localidade de Marombas, interior de Curitibanos. Essa prática consistia em colher as folhas do butieiro, desfiá-las em tiras finas (fibras) e secá-las ao tempo. Elas eram prensadas e enviadas para São Paulo ou para outros centros para serem utilizadas no enchimento de colchões. Eram também aproveitadas para o enchimento de estofamento de móveis, tendo contribuído, em Curitibanos e outras cidades sulistas, com uma importante parte do desenvolvimento econômico.

Também eram utilizadas na fabricação de “camas turcas”. O auge da exploração comercial da folha seca desfiada dos butieiros, também chamada de “crina vegetal”, ocorreu na década de 1930 e 1940, mas chegou, através de ensinamentos dos mais idosos, até os anos da década de 1980. A crina vegetal foi utilizada industrialmente, conforme a demanda assim a requeria. Porém, a prática não persistiu devido à elevação dos custos fabris. As pessoas tinham dificuldades de colher essas folhas nos butieiros. Havia, no local, a presença de muitas espécies de serpentes peçonhentas venenosas, o que desencorajava os colhedores de folhas. Não havia dinheiro que pudesse remunerar uma vida humana.

Ao redor do centro urbano de Curitibanos, havia muitos butieiros, pois até uma enorme fazenda levou o seu nome, a "Fazenda do Butiá". Na localidade de Marombas, surgiu na década de 1940, uma fábrica de pasta mecânica para a confecção de papelão, antecessora da empresa Marombas Bossardi. Parte da mão de obra existente na região migrou para essa indústria. Com isso, o extrativismo da folha do butieiro ficou quase que esquecido para a maioria dos habitantes de Curitibanos.

Antes da atividade colchoeira, os indígenas regionais utilizavam a folha do butieiro, para cobrirem as suas rudimentares habitações. Os butiás, que dão em cachos, quando maduros, caem naturalmente, servindo de alimentação para inúmeros animais selvagens, desde os porcos, a saracura grande, a saracura de três potes, os pássaros pequenos e de médio porte. Os jacús engolem o butiá com caroço, logo dispersam o mesmo longe da árvore-mãe, contribuindo com o plantio natural da palmeira. A gralha-azul pega um butiá e leva para comer bem longe, também derrubando o coquinho, que pelo capricho da natureza, nasce longe da árvore-mãe. Os lagartos teiús, os graxains do mato, a paca, o veado-catingueiro e a cutia também apreciam essa doce fruta, quase todos esses animais dispersam os coquinhos longe da árvore-mãe, contribuindo com o aumento natural da espécie vegetal. É bem verdade que atualmente, com o uso mecanizado dos solos, com a diminuição das áreas de preservação ambiental permanente, esses animais estão raros de serem encontrados. 

Os povos indígenas, primeiros habitantes dessa terra, gostavam muito de comer os frutos e até a semente. Aprenderam a quebrar os coquinhos com pedras. No Rio Grande do Sul havia as tribos Charruas e Guaranis, que também exploravam a utilização dos recursos do butieiro.

Depois que a indústria da crina vegetal definhou na região de Curitibanos, os proprietários dos vastos butieiros acabaram por menosprezar os mesmos, dando vez para a monocultura ou pastagem para gado, vivendo para depender cada vez mais do que a pecuária pudesse lhes proporcionar. Nas fazendas que possuíam muitos butieiros, os porcos cresceram e se reproduziram de maneira natural e selvagemente. Esses animais alimentavam-se dos butiás que caíam anualmente dos grandes cachos. Eram animais ferozes por viverem soltos nas matas, sem respeitar cercas ou propriedades.

A minha história com o butieiro, começou no ano de 1978, quando dois moradores curitibanenses montaram uma pequena indústria, cujo objetivo fabril era tingir a crina vegetal extraída da folha do butieiro, secá-la e enfardá-la para algumas indústrias de vassouras de São Paulo e da Bahia. Os paulistas e bahianos acharam uma maneira de fabricar vassouras com a crina vegetal extraída do buitieiro, entretanto, essa deveria ser tingida de marrom.

Quando completei 14 anos (1977), arrumei um emprego na empresa desses dois empreendedores (Modesto Minosso e Sady Tagliari), que trabalhavam com as folhas desfiadas de butieiro. Ainda naqueles anos, o butieiro era uma palmeira muito comum na região de Curitibanos. Esse foi o meu primeiro emprego. Eu era encarregado de espalhar a crina vegetal tingida num tacho com o corante aquecido, numa espécie de andaimes de madeira e deixá-la secando ao ar livre, para que o sol tirasse dela toda a umidade. Depois de algumas horas e após constatar estar seca, eu deveria recolhê-la e enfardá-la. Trabalhei alguns meses nesse serviço. 

Quando completei quinze anos, abandonei o serviço com os empresários da crina vegetal e trabalhei como cobrador para algumas empresas do comércio curitibanense.

Mesmo atualmente, encontramos vários exemplares dessa palmeira nas margens da SC-120 que liga o município até a cidade de Lebon Régis. A utilização artesanal do butiá, como fruta, uso dos coquinhos e das folhas do butieiro são encontradas nos licores, na gastronomia, e nas indústrias de artesanato, que confeccionam bolsas, chapéus, paineiras e artigos decorativos.

Deixar o ecossistema e a sua biodiversidade desaparecer, significa, literalmente, “cair os butiás dos bolsos”, como se dizia em tempos de outrora. Seria terrível, pois os animais precisam dos butieiros e os butieiros precisam dos animais para a sua perpetuação.



Referências para o texto:


IUCN. On-line, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Internacional_para_a_Conserva%C3%A7%C3%A3o_da_Natureza


Butia eriospatha. Portal Wikipedia. On-line, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Butia_eriospatha


Butia eriospatha. On-line, disponível em: www.iucnredlist.org. Consultado em 21 de abril de 2018.


Butia eriospatha. On-line, disponível em: «Butia eriospatha (Mart. ex Drude) Becc. — The Plant List». www.theplantlist.org (em inglês). Consultado em 21 de abril de 2018.


Fotografia: Augusto Marques dos Reis


PENA, Carlos. Carlos Pena Vídeos. Conheça o butiá. YouTube. On-line, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vklfFt6R37M


POPINHAKI, Antonio Carlos. Eu e a Madeira / Antonio Carlos Popinhaki. – Blumenau: 3 de Maio, 2016. 93 p.


SANTAELLA, Thiago. et.al. Origens de um povo catarinense. On-line: Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/dc_historiasreveladas/index.html Acesso em 13 ago 2018.

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