terça-feira, 25 de maio de 2021

ANITA E GIUSEPPE

Texto de Antonio Carlos Popinhaki


O texto a seguir foi escrito como uma espécie de treinamento sobre a aprendizagem da nossa história, visto que o território da cidade de Curitibanos foi o palco de uma das batalhas mais conhecidas dentro do que chamamos “Revolução Farroupilha”.

Na época do Império brasileiro, mais especificamente durante o período regencial de Dom Pedro II, na década de 1830, os estancieiros gaúchos estavam enfrentando uma situação, no mínimo estranha na sua produção e comercialização de charque bovino. Houve uma elevação considerável sobre os impostos do sal, que era um dos componentes do charque produzido naquele estado ou província como era chamado.

Isso fez com que os impostos sobre o charque, quando chegava até o seu destino principal, que era a capital, a cidade do Rio de Janeiro, ficasse na casa dos 25%. Em comparação, os gaúchos viam que a mesma mercadoria produzida pelos vizinhos uruguaios, quando comprados, lhes era tributado apenas 4%. Sem contar que o charque uruguaio era de melhor qualidade do que o produzido no Rio Grande do Sul.

Um dos principais estancieiros de nome Bento Gonçalves, com outros que estavam descontentes com essa política tributária imposta pelo Império Brasileiro, no dia 20 de setembro de 1835, resolveram lutar contra, iniciando uma revolta separatista. Depois de um ano, proclamaram a República Rio-grandense ou República de Piratini em 11 de setembro de 1836, ato feito pelo General Antonio de Souza Neto, como consequência direta da vitória obtida na batalha de Seival, onde os revolucionários enfrentaram as forças imperiais. O território era praticamente o que hoje é o Rio Grande do Sul.

A duração dessa revolta denominada Revolução Farroupilha ou dos Farrapos, que se tornou brevemente numa guerra civil, foi de 3466 dias, quase 10 anos. Implicou na separação temporária de dois estados, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Para enfrentar as forças imperiais, Bento Gonçalves, General Neto, Bento Manuel Ribeiro e David Canabarro recrutaram um grande grupo de negros escravos, prometendo-lhes, caso lutassem por sua causa, cartas de alforria para todos.

Numa das batalhas, denominada “Batalha do Pampa”, Bento Gonçalves foi capturado pelas forças imperiais e levado para a capital, Rio de Janeiro. Na prisão conheceu outras pessoas que tinham ideais semelhantes às dele. Giuseppe Garibaldi, e o jornalista Luigi Rossetti, ambos italianos.

Giuseppe Garibaldi nasceu na cidade de Nice, antes, lugar disputado pelos italianos, hoje, território pertencente à França no dia 4 de julho de 1807. Se filiou a uma sociedade secreta denominada “Carbonaria”, anti-clerical e republicana. Foi preso e condenado à morte. Conseguiu fugir da prisão com destino à Tunísia. Daquele país, em 1836 chegou ao Rio de Janeiro, quando conheceu Bento Gonçalves e aderiu à causa sulista.

Bento Gonçalves era maçom, Garibaldi e Rossetti pertenciam a sociedades que se identificam fraternalmente com a maçonaria, por isso, numa tentativa frustrada de fuga, Bento Gonçalves foi enviado para uma prisão de segurança máxima numa ilha na Bahia. Lá, ele conseguiu fugir a nado, retornando para o Rio Grande do Sul. A fuga, tanto a tentativa no Rio de Janeiro, como a ocorrida na Bahia teve apoio e ajuda de irmãos maçons.

No Rio Grande, Bento Gonçalves reuniu tropas e líderes para continuarem as peleias dos farrapos. Antes, enquanto estava ainda preso no Rio de Janeiro, Bento Gonçalves deu para Giuseppe Garibaldi uma “Carta de Corso” que era um documento emitido pelo governo de um país, pelo qual o seu dono estaria autorizado a atacar navios piratas ou corsários, povoados e bases de nações inimigas. Garibaldi seria, na revolução farroupilha, uma espécie de pirata dentro da lei. De posse dessa carta, ele foi recrutado para a marinha dos revoltosos.

Construíram dois barcos em Camaquã, o Seival de 18 toneladas e o Farroupilha de 12. Transportaram esses barcos, que, na verdade eram grandes lanchas com a ajuda de mais de 200 bois até o Rio Capivari, depois, no dia 22 de julho de 1839, saíram no mar até a cidade de Laguna.

Quando chegaram ao mar, uma violenta tempestade os atingiu, naufragando o Farroupilha. Garibaldi quase morreu nesse dia. Ainda no mar, ao redor de Laguna/SC, Garibaldi, ainda de dentro do barco, pegou uma luneta para olhar e achar pontos fracos do lugar, pois a intenção era atacar e tomar posse da região. Ele olhou com a sua luneta e encontrou uma mulher muito formosa e bonita caminhando na praia. Era o final do mês de julho de 1839, o dia precisamente, não posso afirmar, pois não achei tal informação.

Após desembarcar, Garibaldi percorreu toda a pequena cidade de Laguna em busca daquela mulher que mexera com ele enquanto a observava pela luneta do seu barco. A procura falhou, pois não a encontrou em nenhum lugar. Ele mal sabia falar algumas palavras em português.

Ao tomar café na casa de um dos líderes locais, eis que surge em sua frente aquela que ele procurava. Tratava-se de Ana Maria de Jesus (alguns escritores dizem que seu nome era Ana Maria de Jesus Ribeiro da Silva). Depois de se encontrarem face a face, se olharam demoradamente um na frente do outro, sem dizerem uma só palavra, Garibaldi quebrou o silêncio e meio em português, com sotaque acentuado em italiano, disse: “Tu deves ser a minha mulher”.

Ana Maria, que mais tarde ficou conhecida como Anita (Aninha) nasceu em lugar incerto e desconhecido. Alguns afirmam que nasceu nos campos de Lages numa fazenda onde seu pai era empregado ou capataz, mudando-se mais tarde para o litoral. Outros afirmam que ela nasceu na cidade de Tubarão. Há quem diga e afirme que a jovem moça vista por Garibaldi com a sua luneta nasceu em Laguna. Apareceu recentemente um documento histórico que se refere ao casamento dela com Manuel Duarte Aguiar mostrando que ela nasceu, na verdade, em São Paulo e ele, em Desterro, hoje Florianópolis. Não há consenso nem sobre o local, entretanto, historiadores em livros e textos replicam que a data do seu nascimento foi 30 de agosto do ano de 1821.

Bento Ribeiro da Silva e Maria Antonia de Jesus, seus pais, casaram em 13 de junho de 1815 na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres de Lages.

Com a morte do pai, a mãe a obrigou a casar-se com um homem que não lhe dava o mínimo de atenção, chamado Manuel Duarte Aguiar. Ela tinha 14 anos quando casou, sendo logo abandonada porque o marido alistou-se nas fileiras das forças imperiais, deixando-a para voltar à casa de sua mãe e contrariando os ideais da jovem esposa.

Anita e Giuseppe se apaixonaram, formando uma dupla invejável e imprescindível para aquele momento da revolução. Laguna foi tomada logo no final de julho ou início de agosto. Foi proclamada a República Juliana, sendo retomada novamente pelos soldados imperiais em 15 de novembro daquele mesmo ano de 1839. Antes disso, Anita mostrou o seu valor, quando lutou com Garibaldi na “Batalha de Imbituba”, onde ela ficou encarregada à bordo de um navio que fora tomado da Marinha Imperial do abastecimento de munição dos piratas farroupilhas.

Quase todos os que estavam a bordo dos navios comandados por Garibaldi morreram no dia da retomada de Laguna. O próprio Garibaldi e sua jovem companheira abandonaram a embarcação para não morrerem. Depois, no mesmo ano de 1839, resolveram reunir o número de “soldados” que sobrou e decidiram subir a serra em direção a Lages. O objetivo era tomar Lages e formar pequenos grupos de soldados arregimentados para conter as forças imperiais que se destinavam ao Rio Grande do Sul. 

Cercaram e tomaram Lages momentaneamente. Ao saírem em direção de Coritybanos e Campos Novos com a intenção de cumprirem o objetivo de não deixar as forças militares do Império chegarem ao Rio Grande, resolveram dividir a tropa, sendo que nas margens do Rio Marombas, foram surpreendidos à meia-noite, num lugar raso onde todos utilizavam para atravessar o largo curso d’água.

O local da referida batalha também é incerto, por mais que atualmente seja consenso comum que foi próximo ao local chamado “Capão da Mortandade”, cerca de 18 a 20 quilômetros da área urbana de Curitibanos, há indícios históricos de que o embate ocorreu perto de uma barranca do Rio Marombas, e não muito distante da confluência com o Rio Canoas, visto que Anita Garibaldi, após fugir dos soldados imperiais atravessou a nado o Rio Canoas,. Alguns afirmam que isso ocorreu, mesmo que o leito estivesse transbordando por intensas chuvas ocorridas, em direção a Lages e depois, para o Rio Grande do Sul. Alguns renomados historiadores escreveram que o embate ocorreu nas margens do Rio Marombas, se isso for verdade, não poderia ser no que é hoje o Capão da Mortandade. Além disso, nas memórias de Giuseppe Garibaldi, ele escreveu que o confronto foi nas margens do Rio Marombas.

Giuseppe Garibaldi descreveu o local do seu embate: “Em três dias de marcha chegamos a Coritybanos e acampamos à pouca distância de Maromba (Campammo a certa distanza del passo di Maromba, per ove si suponeva dovesse arrivare il nemico), por onde julgávamos que deviam passar os imperiais. Colocamos um posto na praia e sentinelas nos sítios que julgamos conveniente, e ficamos muito descansados. Quanto a mim, o hábito que tinha destas guerras, fez com que, como se costuma dizer, dormisse com um olho aberto e outro fechado. Pela meia-noite o posto que se achava na praia foi atacado e com tanta fúria que os nossos soldados tiveram apenas tempo de fugir, trocando alguns tiros com o inimigo (Os imperiais aproveitaram a madrugada e atravessaram o Rio Marombas. O combate durou o restante da noite e o dia seguinte, pois), (…) pelas dez horas da noite, estando os feridos acomodados o melhor possível, começamos a nossa marcha, abandonando o prado e seguindo a linha da floresta, que coroa os cumes da serra do Espigão (…) Era necessário possuir um coração de leão para assim se arriscar. Só quem já viu as imensas florestas que cobrem os cimos do Espinhaço, com os seus pinheiros seculares que parecem destinados a sustentar o céu, e que são as colunas desse esplêndido templo da natureza, as gigantescas canas que povoam os intervalos e que estão cheias de animais ferozes e de répteis de que a mordedura é venenosa, poderá fazer uma ideia dos perigos que ela correu, e das dificuldades que teve a vencer. (…) Coritybanos, espécie de colônia, estabelecida pelos habitantes de Corityba, situada no distrito de Lages, província de Santa Catarina.” Pelos escritos temos a ideia de que o combate se deu nas margens do Rio Marombas e em campo aberto (prado). A floresta foi utilizada apenas como estratagema de fuga e não necessariamente houve confronto no seu interior. Portanto, o atual lugar denominado de Capão da Mortandade pode ser apenas um local de lembrança do confronto de 1840 e não necessariamente, onde houve o embate entre as forças de Garibaldi e as do Império. Existe uma ideia comum em Curitibanos de que o embate pode ter sido noutro lugar, mas os corpos dos mortos foram enterrados no atual “Capão da Mortandade”, o que eu refuto por se tratar de um local há pelo menos quatro quilômetros da margem mais próxima do Rio Marombas.

O escritor rio-grandense Lindolfo Collor escreveu que a batalha foi no alto duma coxilha (extensão de terras com finalidades pastoris, caracterizada pela existência de campos) até perto da barranca do rio. Ora, se foi perto da barranca do rio, não foi em um “Capão” localizado no mínimo há quatro quilômetros da margem mais próxima do Marombas, numa linha reta.

Quem entra ou entrou em capões de mata fechada na serra catarinense, percebe a grande dificuldade de locomoção encontrada. Eu, particularmente, penso que não tem sentido algum transportar centenas de corpos por quatro quilômetros. Qual comandante de tropa não decidiria enterrar imediatamente mortos em locais de mais fácil acesso? Seria mais cômodo, prático e razoável enterrarem os mortos às margens do Marombas, do que transportarem para dentro de uma floresta totalmente fechada e inóspita.

As pessoas afirmam que Anita estava grávida na ocasião dessa Batalha de Coritybanos, é possível, mas também seja possível que não, visto que o seu filho nasceu no dia 16 de setembro de 1840, ou seja, nove meses e seis dias após. Deram o nome ao primeiro filho de Giuseppe e Anita de Menotti Garibaldi. Ele nasceu na cidade gaúcha de Mostardas.

No ano de 1841, Garibaldi abandonou os farroupilhas. Foi dispensado por Bento Gonçalves, recebendo como pagamento 900 cabeças de gado, às quais conduziu até o Uruguai. Depois de 600 quilômetros, conseguiram chegar até aquele país com cerca de 300, sendo logo vendidas.

Casaram em 26 de março de 1842 em Montevidéu, apesar de Anita já ser casada no Brasil, naquele país, foi considerada solteira. Quanto ao seu primeiro marido, poucas informações foram apuradas além de que ele a menosprezava e que se alistou nas fileiras do exército imperial.

Depois de várias batalhas, foram morar na Europa, onde incansavelmente continuaram a lutar em batalhas, revoltas e guerras. Morreram e receberam os títulos de “herói e heroína de dois mundos”.


Referências para o Texto:



COLLOR, Lindolfo. Garibaldi e a Guerra dos Farrapos / Lindolfo Collor. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2016.


Casamento da irmã de Anita, a senhorita Felicidade Ribeiro da Silva: On line disponível em: https://www.familysearch.org/records/images/image-details?page=1&place=3051504&lifeEvent=102860&endDate=1830&startDate=1830&rmsId=M9S4-F11&imageIndex=170&singleView=true


Casamento de Manuel Duarte de Aguiar e Ana Maria de Jesus. On line: Disponível em: https://www.familysearch.org/records/images/image-details?page=1&place=3051504&lifeEvent=102860&endDate=1835&startDate=1835&rmsId=M9S4-NWH&imageIndex=30&singleView=true


FRAZÃO, Dilva. Anita Garibaldi, revolucionária brasileira. On line: Disponível em: https://www.ebiografia.com/anita_garibaldi/


GARIBALDI, Giuseppe; DUMAS, Alexandre. Memórias de Garibaldi. Brasil. Editora Barbudânia. 319 p.


Giuseppe Garibaldi. Portal Wikipédia. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Giuseppe_Garibaldi#Brasil


HINSCHING, Fernando G. Casamento dos pais de Anita Garibaldi. On line: Disponível em: https://hinsching.wordpress.com/2020/02/16/casamento-pais-de-anita-garibaldi/


HINSCHING, Fernando G. Qual o local de nascimento de Anita Garibaldi? On line: Disponível em: https://hinsching.wordpress.com/2020/02/16/qual-local-de-nascimento-de-anita-garibaldi/


LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na história do Contestado. Edição do Governo do Estado de Santa Catarina, 1977. Curitibanos.


POPINHAKI, Antonio Carlos. Curitibanos em chamas. Livro em construção


República Rio-grandense. Portal Wikipédia. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblica_Rio-Grandense


Tratado de Poncho Verde. Portal Wikipédia. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde

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