Texto de Antonio Carlos Popinhaki
A história a seguir é verdadeira e é do tempo em que os Coronéis da Guarda Nacional mandavam em Curitibanos. Evidentemente, que o verdadeiro nome dos nossos personagens foram trocados, para evitar qualquer tipo de constrangimento com os seus descendentes, ainda vivos em nossa cidade. Chamaremos o coronel e fazendeiro em questão de Tibúrcio e a sua esposa de Ana, porque era um nome comum para as mulheres de outrora, e que não vai levar os curiosos a associarem seus pensamentos à verdadeira pessoa.
O ano em que o fato ocorreu, também não importa muito, apenas, que foi numa época em que a energia elétrica era precária e preciosa para o pequeno centro urbano da vila. A iluminação noturna era na base das velas de parafina ou de lampiões a querosene. Ocorreu numa das muitas fazendas do interior de Curitibanos,
A fazenda ficava na área rural e tinha algumas léguas de distância do centro da vila. Era interior mesmo. O Coronel Tibúrcio criava animais, como a maioria dos fazendeiros da época, aproveitando os campos naturais da região. Não foi à toa que o local foi chamado anteriormente, de “Campo dos Curitibanos”. De tempos em tempos, esse coronel precisava se ausentar, principalmente, quando tinha que levar algumas dezenas ou centenas de cabeças de gado para algum lugar, para algum comprador. A viagem era no estilo de comitiva e tropeada, com alguns cavaleiros conduzindo a manada, cuidando para o gado não dispersar, enquanto faziam a sua lenta jornada até o destino.
Na fazenda do coronel Tibúrcio, havia a sua casa principal, alguns galpões e algumas pequenas casas, utilizadas para a moradia do capataz e de outros empregados e agregados. O proprietário estava nos seus 60 anos de idade, com os seus cabelos, na maioria, já grisalhos, entretanto, se mostrava firme e determinado em suas decisões e ações, como a maioria dos fazendeiros daquela época. Era austero, como foi o seu pai, que chegou na região no final do século XIX, e que requisitou uma vasta extensão de terras do novo governo republicano.
O capataz da fazenda era um homem de confiança do coronel. Era casado com uma jovem e bela mulher, afilhada, quando criança do coronel Tibúrcio. Eles moravam numa casa separada, mas não muito distante da casa principal da fazenda. O nome da jovem esposa do capataz era Aline. Devia ter uns 25 anos na época em que os fatos aconteceram. Era uma morena muito linda, segundo aqueles que a conheceram e que passaram a história àdiante, até chegar aos nossos dias. Como escrevi antes, Tibúrcio tinha plena confiança no capataz, o que não escrevi, é que ele também tinha uma queda por Aline. Vivia se insinuando para ela, de forma discreta e sem que ninguém percebesse. Fazia propostas indecorosas para se deitarem juntos, às escondidas de Ana e do marido e empregado.
— Padrinho, o sinhô sabi que eu não posso fazê isso. Não posso traí meu marido e além do mais, é pecado. O sinhô é o meu padrinho, como se fosse um pai pra mim.
— Não é pecado! Eu sei disso e se eu digo que não é pecado, é porque não é.
E dessa forma as investidas do coronel Tibúrcio para cima de Aline ficaram quase que insuportáveis para ela. Sempre que achava uma oportunidade e quando não havia ninguém por perto, o fazendeiro tentava convencer a moça a trair o marido. Aline, moça de poucos estudos, mal sabia algumas letras, considerada analfabeta, não teve como esquivar-se da insistência do padrinho. Após pensar muito, resolveu contar para a sua madrinha sobre as intenções do coronel.
— Madrinha, o padrinho está me incomodando muito. Ele qué que eu durma com ele. Eu disse quí é pecado, mas não adianta, volti e meia, ele vem mi importuná. Não sei mais o quí fazê. Por favô, mi perdoe, eu nunca dei motivos pra ele. Gosto muito du meu marido e nunca passô pela minha cabeça traí ele.
— Esse velho safado. Não se inxerga? Não sabe com quem está se metendo. Ao mexer com você, ele mexe comigo também. Vamos combinar o seguinte, minha filha: quando ele vier te fazer alguma proposta, diga que aceita. Daqui uns dias ele vai levar uma boiada para o matadouro de Curitibanos. Diga que estará esperando ele à noite, que ele saia com a comitiva no final da tarde e que quando estiverem a alguma distância, que ele volte e vá até a sua casa. Você, faça exatamente como eu te falar e vamos dar uma lição nesse velho safado.
Dito e feito, no mesmo dia, o coronel Tibúrcio, enquanto Aline estava estendendo algumas peças de roupas no varal para secar ao tempo, apareceu como um fantasma, dando-lhe um enorme susto.
— Como está a minha afilhada preferida? Está tudo bem com você? Eu não consigo pará de pensar em como você é bonita. Eu quero que você se deite comigo, escondido, ninguém precisa saber, é o meu sonho e será um segredo só nosso. Não vamos prejudicá nem o teu marido e nem a minha esposa.
— Padrinho, o sinhô sabi qui eu acho qui é pecado, mas se o sinhô diz qui não é, então não deve sê mesmo. Eu sei qui daqui uns dias o sinhô vai levá um gado pra vila de Curitibanos, pro matadoro, quando o sinhô saí, no finar da tardi, vai dá certo prá eu atendê a sua vontade, mas vai sê só uma veiz. O sinhô tem qui mi prometê qui será só uma veiz. Quando escurecê, o sinhô vorte e venha na minha casa, eu vô ficá esperando com uma vela acesa, o sinhô entre e vá no meu quarto qui eu estarei esperando. Depois o sinhô vorte e arcance a tropa.
Dito e feito, o coronel não pensou duas vezes, concordou prontamente com as regras e palavras de Aline. A ideia de sair no final da tarde é que ele poderia pousar com o gado num campo propício até a manhã seguinte, quando teriam adiantado a viagem até Curitibanos. eles já tinham os lugares pré-escolhidos para o pernoite.
No dia da viagem, saíram em comitiva pelas 15 horas, quando começou a escurecer, montado num bom e veloz cavalo, o coronel avisou ao capataz que teria que voltar, pois esquecera alguns documentos em casa. Que eles continuassem sem ele, pois logo os alcançaria, mesmo que fosse na escuridão da noite, pois ele sabia onde seria o pouso da comitiva.
Ana, a esposa do coronel Tibúrcio, antes, foi até a casa de Aline e se escondeu atrás de um guarda-roupas, um armário velho, dizendo que era para a afilhada fazer exatamente segundo as suas palavras. Quando o coronel chegou na casa do capataz, sorrateiramente, sem despertar nenhuma suspeita da esposa, que ele julgava que estaria dormindo na casa principal, adentrou, viu que havia mesmo uma vela acesa na mão de Aline. Ao entrar, escutou da afilhada as seguintes palavras.
— Vô mi deitá padrinho, vô apagá a vela, tenho vergonha. O sinhô faiz a sua parte e mi prometa que vai imbora incontrá a comitiva — Foi então para o quarto, enquanto a vela da sua mão apagou-se. No mesmo instante, na escuridão, saiu de trás do armário, Ana e deitou-se na cama. Ao escutar o barulho das molas da velha cama, o coronel não pensou duas vezes, tirou as botas e a roupa e foi deitar, ao fazer isso, não percebeu que a mulher que estava no leito, era na verdade, a sua esposa e não a afilhada que estava escondida atrás do armário.
Ele deitou-se ao lado e enquanto se ajeitava, Ana levantou-se e arrastou o penico para fazer xixi, fazendo o barulho de metal sendo arrastado no assoalho. Ao fazer xixi com vontade, o coronel escutou a força do xixi no penico e soltou a seguinte frase:
— Isso é qui é uma mulher de verdade. Quando mija, a gente escuta a força que tem, não é igual a Ana, minha velha, que faiz apenas um barulhinho xoxo.
Foi a oportunidade certa para Ana pegar o penico, com urina e jogar na cabeça do marido. Ela se revelou então, dizendo em voz alta:
— Velho safado! Não tem vergonha? Pensa que eu sou o quê? A Aline me contou tudo, safado. Vê se toma vergonha na cara.
Tibúrcio levantou-se todo molhado de urina e com um machucado na cabeça que começou a sangrar, pela força com que foi arremessado o utensílio esmaltado, utilizado como vaso sanitário naqueles idos tempos do coronelismo. Não demorou muito, a notícia se espalhou, como nada naqueles tempos podia ficar em segredo ou oculto. O restante da história? Não sabemos! Não sabemos se o capataz descobriu o ocorrido, e se continuou a morar com Tibúrcio, ou se ele ficou na mais completa ignorância. Mas de alguma forma, a notícia vazou, pela boca do próprio coronel, ou pela boca da esposa ou da afilhada. Quem souber dessa história, mesmo com os nomes aqui alterados, que me procure, pois eu sou muito curioso e gostaria de saber a continuação.
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