segunda-feira, 10 de abril de 2023

O ÍNDIO GAMELA E A SUA DESCOBERTA


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


A história a seguir não é conhecida por quase ninguém em Curitibanos. Soube pela boca da minha mãe, que sempre a ouviu da do seu pai. Deve ter acontecido em algum ano da década dos anos de 1920. Havia em Curitibanos um homem que se chamava Theodoro França Pereira, também conhecido pela alcunha de “Tiodorinho França”. Ele viveu em Curitibanos durante toda a sua vida, que compreendeu o ano do seu nascimento, 1888, até o ano do seu falecimento, 1966.

Era um homem de negócios, tinha um comércio estabelecido onde hoje é a atual rua Medeiros Filho. Fornecia gêneros diversos, antes e depois do grande incêndio de 26 de setembro de 1914, onde também teve o seu armazém e casa de moradia destruídos pelos fanáticos. Num período da sua história de vida, fornecia pólvora para a superintendência/prefeitura de Curitibanos para a detonação de rochas nas construções de estradas. Foi dono de pensão, hotel e hospedaria, onde disponibilizava leitos limpos para os viajantes que passavam pelo local, a trabalho, ou com outra finalidade.

Theodoro também atuava na cidade como uma espécie de agente bancário, só que não representava nenhuma instituição financeira legalmente formalizada. Ele era solicitado quando alguém precisava de dinheiro para algum objetivo qualquer, fosse um empreendimento, uma dívida, ou mesmo para uma emergência de saúde. Era um homem de palavra, onde sempre foi considerado honesto por aqueles que o conheceram e viveram com ele, também era considerado muito rígido em seus compromissos assumidos. Pagava as suas dívidas pontualmente. Da mesma forma, esperava atitude igual dos seus devedores. Os que não tinham condições de quitar o compromisso firmado, como forma de pagamento, Tiodorinho recebia gado, cavalos, terras e produtos que poderia comercializar. O mal pagador ou aquele que passava do prazo estabelecido, era visitado diariamente em sua residência, tanto pela manhã, como à tarde, até que o mesmo pudesse quitar a sua dívida, como escrevi antes, requisitava o valor em bens materiais, como terras, gado ou animais, dessa forma, conseguia manter seu patrimônio e aumentá-lo.

Agindo assim, ele prosperou rapidamente, numa época em que não havia nenhuma agência bancária em Curitibanos. As pessoas em crise financeira, procuravam-no por empréstimos, como a cidade era pequena e quase todos eram conhecidos, na maioria das vezes, Theodoro emprestava-lhes o valor solicitado, conforme a demanda, mediante cobrança de juros e uma assinatura numa nota promissória. Essas mesmas, afirmavam que como um homem de palavra, que honrava o bigode, como se dizia naqueles tempos, sentiam-se na obrigação de agir na mesma altura. Theodoro, sempre que podia, afirmava: “Amizade e negócios não se misturam. Às vezes, a palavra pode ser esquecida, o bigode também pode ser raspado, por essa razão, a presença da nota promissória”. Mesmo com a vinda da agência do Banco “INCO”, para Curitibanos, várias pessoas continuavam a procurá-lo por serem atendidos de forma rápida e sem burocracia.

Andava pelas ruas de Curitibanos de forma simples, com roupas simples, porém, limpas. Não ostentava luxo, dessa forma, ficou conhecido popularmente como pão-duro, avarento e muquirana, sempre no bom sentido do uso dos rótulos, pois, como disse anteriormente, era homem de bem e querido por todos. Para não ficar uma impressão errada, vou escrever de forma diferente: era um homem econômico e precavido.

Do seu casamento nasceram nove filhos naturais, devidamente registrados no cartório da vila. Entretanto, há informações que foi responsável pela criação de outros filhos não naturais. Entre esses, dois índios. Não foram criados como filhos, apenas foram-lhes concedidos todo o amparo necessário para que crescessem entre as suas posses. Quando adultos, seguiram seus rumos. Um dos índios tinha o apelido de “Gamela” e o outro, de “Carrapicho”. Esses, evidentemente, não eram os nomes deles, mas era assim que eram conhecidos e chamados.

Certo dia, ao andar pela divisa de suas terras no que hoje é o Potreiro dos Franças, levando um dos jovens índios para ajudá-lo com possíveis consertos nas cercas do terreno, Theodoro, ao distanciar e deixar o ajudante para trás, não percebeu nada de muito importante. Gamela, o índio que estava vistoriando as cercas e os palanques, que de tempos em tempos precisavam ser trocados, esbarrou acidentalmente num monte de terras, coberto com capim-nativo. Na verdade, ele tropeçou e acabou caindo, quase se acidentando. Ao levantar-se, foi ver o que era aquele monte, inicialmente, pensou em tratar-se de um cupinzeiro, pois a existência desses montes duros em Curitibanos era natural. Para a sua surpresa, não se tratava de um cupinzeiro. Com a trombada e a queda, viu que um pedaço de ferro ficou exposto no pequeno obstáculo em forma de monte. Com as mãos, começou a arrancar o capim-nativo que encobria uma espécie de panela. Levou um susto quando viu o seu conteúdo. Moedas douradas. Imediatamente, enterrou tudo novamente e cobriu tudo com esterco seco de gado. Voltaria mais tarde para averiguar tudo, sem que o seu padrinho Theodoro soubesse. Logo alcançou o seu padrinho Theodoro, que estava numa distância de uns duzentos metros à frente e que não percebeu nada. Depois de alguns pequenos consertos e sem importância na cerca da divisa, foram para casa.

No mesmo dia, sem que ninguém percebesse, Gamela retornou até onde estava enterrada a panela contendo moedas. Na sua cabeça, imaginou várias coisas, não ignorando a precaução e certa preocupação. “O que poderia comprar com aquelas moedas?” “Como gastar em Curitibanos, sem que o seu padrinho soubesse?” — Essas eram perguntas que lhe surgiram à mente. Pegou uma daquelas moedas douradas e dirigiu-se para uma casa comercial da vila, a do senhor Sergilio Paes de Farias.

Sergilio era uma pessoa influente em Curitibanos, membro efetivo da Guarda Nacional e proprietário de um estabelecimento comercial, onde vendia “Secos e Molhados”. Esteve envolvido em vários momentos importantes da história curitibanense, como a que salvou a vida do superintendente Marcos Gonçalves de Farias, quando o maragato Gumercindo Saraiva, em novembro de 1893, desejou degolá-lo, no que ficou conhecido como um dos episódios da Revolução Federalista. A pronta ação de Sergilio Paes de Farias salvou a vida do chefe do poder em Curitibanos.

Ao ver a moeda que o jovem índio trouxe em seu alforje, ficou surpreso, pois se tratava efetivamente de uma moeda de ouro de 10.000 Réis do início da República. Tinha um valor elevado por tratar-se da sua composição rara, o ouro.

— Onde você conseguiu essa moeda? — Perguntou Sergilio ao jovem.

O rapaz ficou aparentemente sem saber o que dizer ao comerciante. Por um momento, houve silêncio. Então soltou a seguinte frase:

— O meu padrinho me deu.

Pegou a moeda da mão do comerciante e saiu do estabelecimento, sem comprar nada, ou trocar o artefato por algum bem de consumo. 

Na região de Curitibanos, panelas contendo moedas de ouro ou prata, foram periodicamente encontradas a partir da Guerra do Contestado. Muitos proprietários de terras as enterravam com medo dos fanáticos saqueadores que atacavam as fazendas e casas, principalmente, as que ficavam na área rural. Alguns desses proprietários, após enterrarem o seu dinheiro, foram mortos pelos fanáticos ou em combate. Geralmente, as esposas não sabiam onde o marido escondeu o dinheiro da família, por essa razão acabaram se perdendo. Invariavelmente, até os dias atuais, ainda são encontrados artefatos de valor na região. Muitas pessoas utilizam-se de detectores de metais para tais buscas cegas.

Voltando à história das moedas de ouro encontradas pelo jovem índio Gamela. Alguns dias passaram, em certa ocasião, se encontraram no centro da pequena vila de Curitibanos, Sergilio Paes de Farias e Theodoro França Pereira.

— Dias atrás, fiquei surpreso de como você quer bem o teu afilhado. — Disse Sergílio.

— De qual afilhado você está falando? — Perguntou Theodoro.

— Do índio Gamela.

— Sim, eu trato bem ele e o outro também, o Carrapicho.

— Fiquei surpreso pelo fato de você dar-lhe uma moeda de ouro. Econômico como você é, me deixou surpreso.

— Moeda de ouro? Que moeda de ouro?

— Ora, ele me disse que você lhe deu uma moeda de ouro, eu mesmo a peguei na mão.

— Não estou sabendo de moeda de ouro alguma. Peraí que vou tirar essa história a limpo.

Dirigiu-se imediatamente para casa, onde estava o jovem índio cuidando de algumas tarefas domésticas.

— Gamela! Que história é essa de você ter uma moeda de ouro e dizer que fui eu que te dei? Quero ver essa moeda.

— Não fique brabo comigo, padrinho. Eu a encontrei enterrada numa panela. Tem mais do que uma.

Após apresentar-lhe a moeda que estava em seu poder, foram até onde estava enterrada a panela com as demais moedas. Theodoro ficou surpreso com o que viu. Realmente, havia várias moedas de ouro.

— São todas minhas. Estão na minha propriedade, portanto, pertencem a mim. Nunca mais faça uma coisa dessas. Não minta mais, dizendo que eu te dei algo, sem ter dado.

— Desculpe, padrinho. Prometo nunca mais mentir.

Na verdade, o jovem índio não sabia realmente o que fazer com aquelas moedas, não poderia comprar nada, pois na casa de Theodoro, perguntariam como ele conseguiu adquirir tal bem, então, contando logo para o padrinho e entregando-lhe a panela com as moedas, era o melhor para todos.

A história não foi muito difundida por parte de Theodoro, mas pela parte do comerciante Sergilio Paes de Farias, que mais tarde casou-se com Júlia Weber, parente da minha avó, a notícia espalhou-se.



Referências para a produção do texto:


Cartório de Registro Civil de Curitibanos - Registro de Casamento de Sergilio Paes de Farias e Julia Weber. 


Com informações de Terezinha Ferreira Popinhaki.


POPINHAKI, Antonio Carlos. Theodoro França Pereira. Blog curitibanenses. On-line, disponível em: https://curitibanenses.blogspot.com/2023/03/theodoro-franca-pereira.html


POPINHAKI, Antonio Carlos. A participação de Curitibanos na Revolução Federalista. Blog pessoal de Antonio Carlos Popinhaki. On-line, disponível em: http://antoniocarlospopinhaki.blogspot.com/2022/11/a-participacao-de-curitibanos-na.html



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