segunda-feira, 6 de março de 2023

A BOMBA ATÔMICA

Felicidade Vieira de Almeida


Texto de João Brandão

Digitado por Antonio Carlos Popinhaki


Até que ponto o texto a seguir é verdadeiro? Creio que nunca saberemos, pois se trata de uma transcrição feita por mim, Antonio Carlos Popinhaki, de uma pequena revista impressa em gráfica, de sete páginas encontrada em meio aos antigos documentos depositados no Museu Histórico Antonio Granemann de Souza, oriundo provavelmente, de algum desafeto da esposa do antigo prefeito Salomão Carneiro de Almeida. Parece que o autor, que assina no final com o nome de João Brandão, tinha intimidade suficiente com o casal,  pois trata quase que igualmente, com desdém ou de forma satírica, as pessoas de Salomão Carneiro de Almeida e a sua esposa, Felicidade Vieira de Almeida. Contudo, antigos moradores de Curitibanos, que conheceram a Dona Cidade, ou a Tia Cidade, como era carinhosamente chamada, relatam até os dias de hoje, que ela era uma mulher de personalidade forte, que além de esposa do prefeito, era também, sua prima direta, pois os seus pais eram irmãos, filhos do coronel Henrique Paes de Almeida (Sênior). Talvez, por terem a mesma idade, por crescerem juntos, brincarem juntos, casarem, a intimidade e o respeito que deveria haver entre marido e esposa, deu lugar a uma espécie de confusão mental em ambos os cônjuges. Pela história a seguir, percebemos que o Prefeito era Salomão, mas quem queria mandar na prefeitura era a sua esposa. A transcrição seguiu de maneira fiel, conforme está na pequena revista, ou seja, na maneira de escrever de outrora, mesmo que as regras e a ortografia portuguesa tenham sofrido várias alterações, desde os anos das décadas de 1930 e 1940. O texto cita as gestões do Governador Nereu Ramos e do prefeito de Campos Novos, Gasparino Zorzi. Nereu Ramos governou em Santa Catarina de 1935 a 1945 e Gasparino Zorzi foi prefeito em Campos Novos de 1935 a 1945. Os fatos se deram nesse intervalo de tempo, uma vez que em 13 de julho de 1949, houve o desquite formal e amigável do casal Salomão Carneiro de Almeida e Felicidade Vieira de Almeida.



A BOMBA ATÔMICA

UM ROMANCE COMO OUTRO QUALQUER



À guiza do prefácio


A cena passa-se em Curitibanos, no Estado de Santa Catarina, e gira em torno da PRIMEIRA DAMA local, mulher de uma educação esmeradíssima, formada pelo Instituto das Bonitas Artes.

No último exame que prestou, suas notas revelam um talento todo “sui generis”, cujas características adiante se verá. Sinão concluamos: Eloquencia - 10. Verbosidade - 10. Labia - 10. Tendencia para o mal - 10. Si cara feia é valentia - 10. Português - 0. Aritmética - 0. Educação - 0. Civilidade - 0. Bons costumes - 0. Religião - 0. Comportamento - 0. Aplicação - 0 ou 10, dependendo si essa fosse para o bem ou para o mal.



A Ascenção


Era uma vez… uma lei que não permitia que os sexagenários exercessem funções ou cargos publicos. (Que saudades).

Nessas condições, o saudoso Cel. Graciliano de Almeida, com grande pezar de todos os seus munícipes, foi obrigado à resignar o cargo, cujos misteres, com tanta galhardia vinha desempenhando. (A honra devida, lhe seja feita)

Mas, como o Diabo havia jurado que Santa Catarina não sairia das mãos dos Ramos, assim como Curitibanos, das mãos dos Almeidas, sem que se espalhasse alguns grãos de chumbo grosso, — o sr. Nereu, — valendo-se déssa sugeira do Estado Novo, sem consultar quem quer que fosse, a não ser sua vontade totalitaria, “elegeu” o nho Salomão Carneiro de Almeida, vulgo Salico ou nho Salo, para Prefeito do Municipio de Nossa Senhora da Conceição dos Curitibanos.

Isso, assim de soco; atentou a nha Cidade, que é o nome da legítima esposa do Todo Poderoso Salico, — que depois do primeiro abalo, sentiu correr-lhe pela espinha (e que espinhaço) um gordo calafrio, num mixto de gozo, orgulho e muita Feli… cidade.

Delirou de alegria. Agora sim;

A nha Chica, a nha Joana e a nha Anastacia, iam roer as unhas, de tanta inveja.

Não descançaria, enquanto não “ponhasse as mãos” na Bastiana enquanto não “afencasse” o marido dela na cadeia.

Ela “havéra de arranjá” na Força Policial do Estado, pessoas que servissem de instrumento de suas perfídias, sinão éla faria com que o nho Salo telegrafasse “pra baxo” e o amigo Nereuzinho (filho) substitui-los-ia.

“O fiadaputa” do Alberto, éra para limpar o logar ou éla lipar-lhe-ia as costelas.

Essa gente orgulhosa do Clube 7 que nunca à ligavam nos bailes, por causa dos falatorios do povo, seria obrigada à dar-lhe o bico, e, — aduladora cair-lhe a seus pés, para merecer os seus favores e escapar à seus furrores.

Aquelas damas que lhe haviam negado a sua participação no APOSTOLADO DA ORAÇÃO, correriam pressurosas oferecendo-lhe mesmo, até o posto de Presidente, si ela não se contentasse com o de Zeladora. Dinheiro, cara-dura e ambição era ela quem tinha mesmo.

Seria a PRESIDENTE DE HONRA de todas as agremiações ou associações que viessem a existir no município. 

Estancaria ou faria correr a gazolina segundo os seus caprichos.

Teria um polícia para tirar leite, fazer o fogo, lavar louça, servir café ou licôr às visitas, para mandar recados desavergonhados e exibir poderio.

Teria como amigas intimas, certas mulheres, cuja reputação éra desdourada, só para fazer “fusquinha” e para mostrar que o vicio sobrepujava à virtude, onde o dinheiro, a posição e o mando imperavam.

Agora sim, seria infalivelmente sogra de um doutor. E si sua filha desprezasse algum doutor, que porventura viésse solicitar-lhe a mão, que se aviésse, porque ELA lhe desintegraria uma arroba de ATOMOS sobre as paletas.

Esses mocinhos sem qualidade que andavam namorando as suas filhas, que fossem se olhar no espelho. O Zóqui, Zizinho e o Martinho, esses então davam uma raiva…



No Pinaculo (Lá em, riba)


Eis as suas previsões e seus sonhos, enfim transformados em realidade. ei-la com a faca e o queijo nas patas. 

Os bajuladores pululam ao seu redor, ávidos de um simples sorriso ou de uma gracinha. Tem algum coitado que léva cada um “manotáço” de causar vertigens. “NOIS SEMOS AMIGOS DOS AMIGOS; AGORA, OS ENIMIGOS É MIOR SE PONHÁ PRUM LADO”.

E os MELOS, com eles não tem sorte. São de caiporismo sem par. (Só são pares entre si). O Luiz Mélo, só porque chamou o Salico de BURRO, foi dar com os costados na penitenciaria, prisão incomunicavel, inquérito na Prefeitura, testimunha escolhidas e algumas amestradas, removido e rebaixado. Foi obrigado a demitir-se da DER.

O Inacio Melo, foi preso, injuriado, cuspido e babado só porque uns porcos do nho Salo, entraram na róça do coitado e porque veio vender uma carreta de trigo “crioulo” e não pagou os respectivos impostos.

O Alfredo Melo, levou o pai dos tapas na cara, só porque estando um tanto embriagado, gritou em o Clube 7, em plena reunião, que conhecia o “TAR” tanto por dentro, como por fóra a pelas beiradas. Para prova, disse que tinha uma carta com a devida assinatura, alguma cousa mais, com as respetivas iniciais, e, — ainda poderia indicar certa manchinha preta em determinado logar daquele CORPO. 

— O amigo leitor exigiu as provas?

— Eu também não! …

— Daí á algum tempo, o Alfredo Melo cáe, vítima de balas traiçoeiras e assassinas. O doutor Pedro David conforme declarou á um amigo íntimo, estando ao par de CERTAS OCORRENCIAS, não sem alguma razão, julgou que o crime havia sido determinado, com o fim de fechar-lhe a boca, para todo o sempre. E como o Juiz andasse ancioso por pegar o bicho, com o fucinho na ratoeira, ordenou ao Tenente Teseu que procedesse uma pesquiza em regra. E o resultado foi, que dentro de poucas horas, o Teseu descobriu o mistério da tocaia.

— Teria mais gente?

Nesse tempo, todas as amizades que ainda tinham um resto de vergonha, se retiraram. Continuaram, todavia, frequentando a casa, como até agora, a D. Nenem, a D. Laura, a D. Nuca, a mãe do João Bobo, o Péris, o Carlos e mais algum ou outro Gabirú.



O Choque


Sinão quando, vem o doutor Nereu Ramos e exma. sra., em visita oficial à alguns municipios do planalto. Chegou a nossa vez. Houve lauto banquete no hotel do Hugo. Terminado esse, o nho Salo se levanta, BATE PARMA, espalha a vista sobre os convivas, estala a lingua, produz um forte rumor pela sucção dos labios, escarra para um lado e brada com todas as forças dos pulmões: VIVA O INCELENTRISSIMO GUVERNO DO NOSSO ESTADO! … VIVOOOOO, … responde o povo, com os olhos fitos nessa grandiosa obra do Dr. Nereu.

Houve apertos de labios, unhas cravadas nas palmas de muitas mãos, o arrastar de muitas cadeiras, etc. etc.

Terminado o célebre banquete, suas excelências seguiram rumo à Campos Novos. O nosso PERFEITO com sua EXMA esposa e mais ARGUMAS amigas intimas, se boleia em RIBA de um caminhão de reboque e lá se foram acompanhando a luzidia caravana, estourando foguetes.

Lá, os esperava novo banquete. O Cel. Gasparino, Silvio Blaier e outros, quando verificaram o valor “DISSOLVENTE” do acompanhamento, perderam o folego:

— E agora? … Que faremos?

Então resolveram convidar somente o nho Salo para o banquete. a nha Cidade não gostou e resolveu fazer um desaforo. Atravessou o salão com aqueles passos de urubú e grita à queima roupa: “Oh Salo, me dê daí deis minrréis pra morde comprá umas bananas pra repartí cas companheiras, sinão a gente morre de fome aqui nesta merda”.

Satisfeito o seu desejo, saiu à trote largo pela sala em fora e lá se foi. Comprou um cacho e meio de bananas, poz o maior no hombro e o outro dependurado no braço esquerdo, lá se foi para o jardim, acompanhada pelas outras.

Isso já faz tempinho que o Zizinho me contou, quando eles estavam brigados por causa da Maria.

O mulherio chegou lá no jardim, sentou-se em cima de um canteiro de grama fina e dentro de alguns segundos, só se via os montes de cascas.

Como o banquete ainda ia demorar bastante, lá ficaram elas repousando das fadigas da viagem e fazendo a digestão como giboia depois de engulir um novilho.

Darwin disse que nós descendemos de macacos. E si isso for verdade, nós nunca poderemos ficar quietos por muito tempo. Foi o que aconteceu com as nossas heroinas. Vae a Chiquita e toma uma casca de banana na mão e bate em uma formiga que estava à farejar os restos da comilança. O bichinho, vendo-se perseguido, corre a toda pressa e esconde-se em baixo do sapato da nha Cidade. A pancada que lhe era destinada, atinge o pé da nha Felicidade e suja as meias de seda que já tinham algum pó da viagem.

Ninguem mêcha com Almeida… D. Felicidade, vendo a sua seda conspurcada, agravando assim, todos os sintomas de elefantíase que infelizmente afétam-lhe os seus membros inferiores, junta outra casca e PREGA-LI BEM NA CARA da Chiquita. Esta mais que depressa, revida o golpe. As outras companheiras ficam influenciadas. Todas se levantam como acionadas por uma mola secreta, colocam-se em posição de combate, com os braços cheios daquela munição. Um moleque que passa, dá um assobio e até parece que aquele é o sinal de fogo. Travou-se a luta. Aquilo era chuáááá… chuááááá… chuáááá… e os projéteis se cruzavam como demonios enraivecidos, procurando atingir os alvos, que nem siquer se desviavam mais.

Foi um numero muito querido e apreciado pelos Camponovenses e mereceu calorosos elogios, pela tecnica com que foi apresentado.

Terminado o banquete, todo o mundo foi para o baile. Sentadas em uma mezinha, lá estavam a Sra. Ramos, a Sra. Zorzi e a nha Cidade. Em outra, estavam o Dr. Nereu com o nho Salo á espalitar o dente podre e á cheirar o palito. Enfiava-o em seguida na boca, chupava-o e dava estalinhos com a lingua, de pura satisfação, e emergia novamente o palito no fundo do dente deteriorado e tornava cheirar.

E lá, na primeira mezinha, a sra. Zorzi querendo ser amável para com a nossa PRIMEIRA DAMA, como essa não pudesse sustentar uma palestra mais elevada, em certa altura interrogou: “É verdade, D. Felicidade, que o sr. Salomão comprou o lote da esquina do Arquias?”

— Quar nada; ele não quiz mais.

— Ah? Não quiz? Decerto o terreno era meio fraco para jardim?

— Não se, isso não era do causo; pois tratava bem do nho Salo e ele estercava que era um mimo…

Efeito de uma bomba. Que situação embaraçosa… Que silencio desagradavel…

POR SORTE, passavam duas mocinhas e a senhora Ramos QUERENDO TROCAR DE ASSUNTO, perguntou:

— Quem são estas duas mocinhas?

— Mais ainda não li apresentei? — Responde a nha Cidade. E com todas as forças dos pulmões:

— Pére aí um pouquinho, que eu já chamo ela e li apresento. E gritando:

— Levy? … Levy? … Levy, minha fia? … Tu não ôve so diabo? … Onde tais co’éssas ventas? … Parece um porco baguar quando tá fóra da quadría? …

Quando éla virou-se, não tinha mais ninguem na mezinha.



Caminhando


A poucos dias atraz, a nha Cidade disse ao esposo:
— Salo, eu queriá deixar aqui em Curitibanos, alguma cousa ou algum feito, que falasse bem alto de minha passagem por essa Prefeitura.
— Sí é só isso, descança mulher. — Responde-lhe o nho Salo. — Aí temos o alto-falante e é só falar com o Tide e ele já fala bem alto.

Quando foi no outro dia, ela disse ao Salo: “oia Salo, vancê inaugurou o retrato na prefeitura e o que tenho eu que não inagure o meu também?
— Mas não fico bem… porque lá só tem os retratos de homens…
— Quar nada… Ninguem é mior do que eu. Qué vê como eu vô lá e rasgo aquilo tudo?
— Carma, muié!... Eu mando fazer o teu retrato pra ponhar lá na Prefeitura.
— Mais pá cá, mais pá lá, eu não aceito. — diz o Avelino que ia chegando no momento.
— E porque? — Pergunta ela.

— Puique a coisa lá na Prefeitura é cus dono e não cus poico.


Será Verdade?


João Brandão


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