Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Recentemente, gravei um pequeno vídeo para lembrar aos moradores da minha cidade, Curitibanos, sobre um acontecimento ocorrido há mais de 100 anos. Um ataque de homens a serviço do misticismo e do messianismo. Rotulei esses homens, que, na verdade, eram num número de 212 ensandecidos, de “fanáticos”. O episódio a que me refiro faz parte do conflito social denominado “Guerra do Contestado” (popularizada), ou “Guerra Santa de São Sebastião”, como o lado desses invasores costumava nominar.
No início do ano de 1914, chegou na pequena vila de Curitibanos, acompanhado de 20 cavaleiros, um homem de nome Praxedes Gomes Damasceno. Ele era morador da localidade Taquaruçu, interior do município. Tinha um armazém naquela região, o qual abastecia os moradores com mantimentos e utensílios variados. Seus fornecedores eram geralmente de grandes centros, como a empresa Hoepcke de Florianópolis. No final do ano de 1913, passou pela vila de Curitibanos alguns cargueiros com mercadorias para suprir o armazém de Praxedes no Taquaruçu. O Superintendente de Curitibanos era o Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque. Ele pediu para que alguns homens revistassem os cargueiros. Temeu que Praxedes estivesse abastecendo o “Reduto de Taquaruçu”, um aglomerado de casebres erguidos na segunda metade daquele mesmo ano, para abrigar simpatizantes e crentes nas palavras de um homem que frequentou o local na edição da festa de Bom Jesus, ocorrida em agosto de 1912. Esse homem era Miguel Lucena de Boaventura, um soldado desertor das forças militares paranaenses que se autoproclamava “monge”. O Monge José Maria.
Aconteceu que esse José Maria morreu num confronto em Irani, no mês de outubro de 1912, mas antes de morrer, prometeu voltar, ressuscitar e trazer consigo o exército de São Sebastião. Pediu para seus seguidores se reunirem no Taquaruçu, pois quando passasse um ano da sua morte, ele retornaria com segurança.
Muitas pessoas acreditaram nas palavras de José Maria e o consideraram como um “Santo”, um enviado dos céus. Então, na segunda metade do ano de 1913, aqueles que acreditaram, começaram a dirigir-se para o Taquaruçu, de modo a encontrarem o monge e seu encantado exército de São Sebastião. Para isso, havia a necessidade da construção de casebres e alimentação para a acomodação dessas pessoas. No início, cada um trazia o que tinha e depositava num cofre comunitário, onde os líderes do movimento, administravam esses recursos e distribuíam igualitariamente, alimentos e gêneros, conforme as necessidades aos moradores.
Enquanto eles tinham recursos financeiros, compravam nos armazéns e pagavam "à vista" pelos mantimentos, entretanto, quando o dinheiro acabou, começaram os saques às fazendas e propriedades privadas da região. Segundo a concepção desses homens, os roubos e a pilhagem eram pela "causa divina". A população que se dirigiu para esse lugar, aumentou grandemente.
Na revista feita pelos policiais de Curitibanos nas mercadorias que tinham o destino à casa comercial de Praxedes Gomes Damasceno no Taquaruçu, foram encontradas algumas winchesters e caixas de munição. Por determinação do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, a mercadoria foi apreendida em Curitibanos. Alguém foi até o Taquaruçu e notificou o dono do armazém do ocorrido na vila de Curitibanos.
Praxedes reuniu 20 homens a cavalo, armados, e rumaram para a vila, com o intuito de recuperar a mercadoria apreendida por Albuquerque. Chegando em Curitibanos, foram surpreendidos, pois, alguém já tinha avisado o Superintendente dos intentos de Praxedes. Foram recebidos por um grupo de homens entrincheirados próximo de onde está hoje, o Colégio Santa Teresinha. Houve tiros. Dois homens que acompanhavam Praxedes foram atingidos e morreram. Depois de uma pedido de cessar-fogo pelo comerciante do Taquaruçu, Albuquerque foi ao seu encontro. Trocaram poucas palavras e alguém disparou contra Praxedes, ferindo-o gravemente. Frei Gaspar, o padre que cuidava da igreja na época, recolheu Praxedes para a igreja, mas foi impedido de tratar do ferido. Praxedes foi removido e morreu na cadeia que ficava próxima do local, sem atendimento e socorro.
Isso revoltou os moradores de Taquaruçu naquele início do ano de 1914. Entretanto, outros acontecimentos e desdobramentos nos meses seguintes ocorreriam entre aqueles homens que se predispuseram a seguir as palavras do Monge José Maria. Foram enxotados do Taquaruçu e mudaram-se para o reduto de Caraguatá, depois para outros redutos. Mudaram sua liderança várias vezes. Em algumas dessas mudanças, diziam seguirem a orientação divina dada por José Maria através de crianças e de moças virgens, outras vezes, homens maus, que, ao assumirem a liderança, se mostraram serem na verdade, bandidos: Francisco Alonso de Souza, o Chiquinho Alonso encarregou um veterano da Revolução Federalista, que apareceu no reduto falando meio espanholado, de nome Agustin Perez Saraiva, apelidado de “Castelhano”, para comandar 212 homens no dia 26 de setembro de 1914, atacar e incendiar a vila de Curitibanos. As ordens eram para dar fim aos mandos de Albuquerque e agora, do novo Superintendente, o Coronel Marcos Gonçalves de Farias.
Esse ataque não foi organizado repentinamente. Houve tempo e planejamento, inclusive, político, pois as casas dos inimigos de Albuquerque e Marcos Gonçalves de Farias, não foram atacadas, saqueadas e incendiadas.
Agora começo a delinear sobre o que eu chamei de "fanatismo". Nos redutos, o povo dizia estar sob o comando divino, diariamente rezavam, saiam em procissões, e adoravam conforme as suas concepções de divindade. Eram extremamente observadores das determinações impostas a eles pelos líderes. Eram obstinados, acreditavam realmente que o monge ressuscitaria, apesar de ter se passado a data prevista. Tinham verdadeira paixão pela causa, não obstante, na maioria das vezes, sofrerem privações, pois nesse tempo, estavam dependendo dos saques ao alheio.
Esses homens e mulheres "eram fanáticos", pois foram convencidos ao erro e acreditaram piamente que estavam fazendo o que era certo. Muitos desses, reclamavam que o governo republicano tinha lhes tirado as suas terras e distribuído aos estrangeiros. Afirmavam que foram roubados, mas não entendiam que se eles roubassem dos fazendeiros, também era errado. Não entendiam que seus líderes não sabiam para que lado poderiam conduzi-los, visto que viviam fugindo de reduto em reduto, sem um destino certo. Não enxergavam que se quisessem sair daquele meio, não lhes seria permitido, a não ser que saíssem mortos, pois os líderes não aceitavam a deserção, a desfiliação, ou o arrependimento.
Eram fanáticos, pois sendo ignorantes ou não, mergulharam nas suas crenças, bem como, nas palavras dos seus líderes, depositaram neles a convicção de que seriam recompensados por todo o sofrimento, quando algum exército encantado viesse para vingar-lhes.
Os seguidores dos monges eram fanáticos. Foram logrados, primeiro pelas palavras que não se cumpriram, depois pelos que se arvoraram líderes em nome desses monges. Foram logrados pelo governo, foram logrados pela igreja, foram enganados, mas mesmo assim, tinham fé. Contudo, a fé não lhes foi suficiente, pois em quatro anos morreram milhares de pessoas nessa “Guerra Santa de São Sebastião”. Um grande número, não foi pelas armas dos policiais, exército ou vaqueanos, mas sim, pela falta de higiene, sujeira, doenças infecciosas como o tifo, e pela fome não saciada pelos líderes.
O fanatismo não é bom, pois remete a pessoa à burrice. Sem racionalização, sem poder enxergar o que está à sua frente, sem poder ouvir os conselhos e as palavras ditas, sem poder raciocinar, racionalizar e tomar a decisão acertada. Este texto explica o porquê de eu chamar aqueles que invadiram a vila de Curitibanos, em 26 de setembro de 1914, de “fanáticos”.
Referência para o texto:
POPINHAKI, Antonio Carlos. A Guerra Santa de São Sebastião na região do Contestado — (1912-1916). Ebook. Disponível em: https://ler.amazon.com.br/kp/embed?asin=B08WKQV5T1&preview=newtab&linkCode=kpe&ref_=cm_sw_r_kb_dp_SA2RPTS3ATPTM4ZN59QD
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