segunda-feira, 3 de julho de 2023

RIO MAROMBAS


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Uma das principais preocupações desde o descobrimento, ainda na época imperial, foi a busca por metais preciosos no continente americano. Espanhóis e portugueses disputavam, literalmente, as fronteiras e limites dos seus hipotéticos territórios. Hipotéticos, porque na maioria das vezes, ficavam no campo da imaginação. Não se sabia exatamente onde ficavam os pontos demarcatórios que indicavam as terras da Espanha e as de Portugal. Tratados e Bulas papais alteravam constantemente essas posições.

O território brasileiro, o maior da América do Sul, passou por várias transformações conforme os séculos avançaram. Especificamente, a partir do litoral, após a incursão dos bandeirantes a partir do século XVII foi tomando a forma como presentemente o conhecemos. O interesse em investir no interior, além dos metais preciosos, também foi a de manter o controle da posse territorial. Por essa razão, foram construídos caminhos a facão (picadas) no meio dos sertões e matas. Alguns desses caminhos seguiram os tradicionais carreiros dos povos originários.

Com o estabelecimento da Colônia do Sacramento no ano de 1680, no território que hoje pertence ao Uruguai, o império português se preocupou com a integração norte/sul, principalmente, porque daquela Colônia saía para o interior do Brasil, rebanhos de gado, equinos e muares. É atribuído ao Sargento-Mor, Francisco de Souza Faria, o intrépido, a abertura de um caminho ou rota que ligava o Morro dos Conventos, na cidade litorânea de Araranguá, ao planalto catarinense (Caminho dos Conventos), bem como o Rio Grande do Sul ao ponto conhecido mais ao Norte (Curitiba). Para isso, ele deveria seguir um itinerário que permitisse cruzar pelo interior do sertão catarinense. Nessa época, a região do meio-oeste de Santa Catarina integrava a Capitania de São Paulo. A Capitania de Santa Catarina, uma das mais antigas do país, era composta por três cidades: Desterro, São Francisco do Sul e Laguna. Lages ainda não existia. A construção desse caminho, (Caminho das Tropas) foi executado entre os anos de 1728 a 1730. Lemos (1977) escreveu que em 1733, o tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu passou pelo local, com cerca de 3 mil cabeças de gado, equinos e muares, proveniente do território do Rio Grande do Sul, com destino às minas de Ouro Preto, local onde vendeu a tropa a “peso de ouro”. Segundo a autora, “provavelmente, foi nesse tempo que se firmou um lugar chamado de ‘Pouso dos Coritybanos’, pois em 1737, apareceu esse nome num mapa feito pelo Padre Diogo Soares”. A palavra “pouso” significa, um lugar de descanso, de repouso, de pernoite. Os antigos tropeiros tinham lugares específicos e adequados para acomodar os rebanhos pelo tempo suficiente para uma recomposição de forças, até que pudessem prosseguir viagem. Havia obstáculos naturais que impediam as viagens dos tropeiros, por exemplo, uma sequência de dias chuvosos, quando os rios enchiam e tornavam suas travessias impossíveis. Era necessário esperar o nível das águas baixar, somente assim, poderiam prosseguir. Enquanto isso, pernoitavam ou pousavam nesses lugares pré-escolhidos. Os campos de Curitibanos foram apenas mais um desses lugares.

A história de Curitibanos está intrinsecamente ligada à história da vizinha cidade de Lages, de onde teve o seu território desmembrado. Lemos (1977) escreveu que em 1770, após duas frustradas tentativas, a freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens foi fundada na sua atual localização. António Correia Pinto de Macedo foi o fundador. Ele tinha autorização do Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luís António expedida em 1766. Em troca do seu serviço ao império, seria condecorado com o “Hábito de Cristo” (Comenda). A convocação dos novos moradores, deu-se segundo o costume da época, quando um novo povoado era criado, por um bando (toque de caixas).

A partir do uso contínuo do Caminho das Tropas, mesmo antes da criação do povoado de Curitibanos, sempre houve preocupação natural com os “obstáculos naturais”, os rios. Ramos (1988) escreveu que, “naqueles tempos, o transporte na região era feito somente em lombo de mulas. (...) não havia muita coisa a ser transportada por falta de produção ou pela influência do rigor do inverno”. Os tropeiros levavam para a região central do Brasil, gado, equinos e muares, em contrapartida, na volta para o sul, traziam sal, principalmente, porque era o produto mais comercializado para o tratamento do gado, a única coisa que os fazendeiros dispunham para dar aos seus rebanhos, uma vez que os rudimentares medicamentos ainda eram desconhecidos. Os fazendeiros não sabiam da existência de carrapaticidas e injeções contra qualquer tipo de moléstia. Os vermes e as anemias eram terríveis, principalmente, nos rigorosos invernos de outrora.

Além das perdas naturais, era preciso que os fazendeiros e tropeiros ficassem constantemente atentos nos grandes percursos das comitivas, principalmente no desgaste físico da tropa, por isso, paravam de tempos em tempos para pastagens coletivas de recuperação de forças. Um desses locais de parada ficou conhecido como “Pouso dos Curitibanos”. Depois, teriam que vencer as águas do Rio Marombas, no “Passo do Rincão da Canoa”. Era, igualmente, necessário que as águas estivessem baixas para que pudessem atravessar com segurança.

De acordo com Lemos (1977) “Marombas” eram cordas esticadas de uma à outra margem do rio e amarradas a estacas fincadas no chão; essas “marombas” serviam para as pessoas se segurarem enquanto a canoa navegava; depois a maromba foi trocada pelas correntes, e aí temos, o “Rio Correntes”. Essas são informações importantes, pois muitas pessoas perguntam: Porque o nome Rio Marombas? Ou, por que o nome Rio Correntes? Antes eram chamados Rio das Marombas e Rio das Correntes.

O Rio Marombas nasce cerca de 40 quilômetros a leste do atual município de São Cristóvão do Sul e corre no sentido oeste até receber as águas do seu principal afluente, o Rio Correntes, daí, segue no sentido sul, até desaguar no Rio Canoas. Levando em consideração, as curvas naturais, desde a nascente até a foz, a sua extensão é de 145 quilômetros.

Na história de Curitibanos, podemos citar a importância desse curso de água. Faz parte da Bacia do Rio Canoas e desde sempre foi fundamental para os habitantes do município de Curitibanos. Há quase 100 anos, forneceu areia transportada em duplas bruacas, em mulas ou burros, para algumas construções de alvenaria na área urbana, inclusive, o prédio da Superintendência Municipal, hoje o edifício que abriga o Museu Histórico Antonio Granemann de Souza. Outro imóvel, que utilizou areia transportada em bruacas do Rio Marombas, foi a casa demolida da escritora Zélia de Andrade Lemos.

Mais tarde, nos anos da década de 1960 e 1970, as caçambas da frota municipal da Prefeitura de Curitibanos, transportavam cotidianamente, cargas de areia para servirem de base para o assentamento de paralelepípedos nas principais ruas do centro urbano. Os locais de coleta ficavam próximo à localidade de Lagoinha e, igualmente, próximo à ponte da estrada velha que ligava o município à cidade de Lebon Régis.

Voltando um pouco ao passado, no ano de 1942, as suas águas impulsionaram uma das maiores indústrias de Curitibanos, a antiga “Sbravatti, Bula, Granemann & Cia. Ltda.”, responsável pela fabricação de pasta mecânica e papelão. Essa empresa funcionou, de forma exemplar, até outubro de 1952, quando, numa tarde de domingo houve um incêndio, destruindo completamente todas as edificações. Mais tarde, após acordo com os sócios, houve uma recuperação de parte dos maquinários, tornando a empresa novamente operacional. Havia, naquela localidade, ao redor da indústria, uma vila com balsa para a travessia do rio, hotel e infraestrutura necessária para os habitantes viverem suas vidas com comodidade. Havia também, Igreja, cemitério e comércio próprio. Ao redor da pequena vila, viam-se plantações de trigo, o que foi conclusivo e determinante, atestando que o solo e o clima da região eram aptos para a cultura do trigo. Anos depois, foi escolhido um local, não muito longe para a implantação do Núcleo Tritícola.

Depois de algum tempo (1946), uma sociedade (dentre esses, também os proprietários da indústria de papelão), fundou a “Força e Luz Curitibanense”, onde implantaram a primeira usina hidrelétrica instalada numa das muitas quedas existentes no Rio Marombas. Essa usina fornecia energia elétrica para Curitibanos, funcionando regularmente até a chegada da energia do Salto Pery, construída no Rio Canoas, em 1965.

Hoje, a região da indústria de pasta mecânica e papelão, chama-se Marombas Bossardi. Existe um educandário, com ginásio de esportes, infraestrutura igual à encontrada nas escolas do centro urbano de Curitibanos. Foi construída sobre o rio, uma ponte pênsil, também chamada de “pinguela”, que serve aos moradores e é um atrativo para registros fotográficos dos visitantes. Sem dúvida, um dos pontos turísticos de Curitibanos.

No final dos anos da década de 1970, houve a captação de águas para o abastecimento urbano dos lares dos moradores de Curitibanos. Estações de tratamento e armazenamento foram construídas em locais estratégicos. Uma das profissões que mais tinha serviço em Curitibanos, antes da captação e distribuição de água encanada, era a de poceiro (escavador de poços). Com o abastecimento de água tratada, a partir de 1978, essa profissão entrou em colapso ou extinção.

O Rio Marombas também foi testemunha da Batalha de Curitibanos, ocorrida em 12 de janeiro de 1840, quando as tropas imperiais e as tropas farroupilhas se enfrentaram perto do “Passo do Marombas”, local raso utilizado para a travessia de pessoas e animais. Esse passo ficou submerso, após a construção da Usina Hidrelétrica de São Roque. Giuseppe Garibaldi, que esteve nessa batalha com sua esposa Anita, se referiu ao local em suas memórias.

Em junho de 2021, Curitibanos entrou para o seleto grupo de cidades que tratam seu esgoto. Foi inaugurada a Estação de Tratamento de Água — ETA, foi o primeiro estágio do Sistema de Esgotamento Sanitário de Curitibanos, com a capacidade de tratar 40 litros por segundo de esgotos, possibilitando devolver ao Rio Marombas uma água mais limpa, mantendo o equilíbrio do Meio Ambiente. Em 2023, as obras do segundo estágio do Sistema de Esgotamento Sanitário continuaram.

São muitas as histórias envolvendo o Rio Marombas, desde as esquecidas, onde habitavam nas suas margens os indígenas da etnia Kaingang, até as de pescadores que sempre aumentavam as suas façanhas. Com o progresso, alguns animais que utilizavam as águas do rio, desapareceram ou ficaram raros, como as lontras e as capivaras.

Ao voltarmos as nossas mentes para o passado, quando eram necessárias cordas para a travessia do rio, no tempo dos tropeiros e olharmos para o presente, quando diversas pontes foram erguidas, e Pequenas Centrais Hidrelétricas geram energia para suprir a demanda energética, ao percebermos que o rio não está poluído, em relação a rios de mesmo porte e extensão, devemos nos orgulhar e garantir que a próxima geração possa sentir essa mesma sensação.



Referências para o texto:


Com informações do professor Joni Stolberg (Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC/Curitibanos).


Com informações de Nelson Antonio de Moraes.


Fotografia: Vanessa Krenkel Google Maps/abr 2022.


RAMOS, Armando. Passado e presente. 4.ª ed. Prefeitura do Município de Lages. Lages/SC, 1988.


LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na história do Contestado. Edição do Governo do Estado de Santa Catarina, 1977. Curitibanos.


LUNARDI NETO, A. et al. Estudos socioambientais sobre o Planalto Catarinense. Florianópolis: Editora Insular, 2020.


ORTIZ, Nicolas Matheus Ribeiro. Uso da terra e qualidade da água na Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Marombas. Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do Título de Bacharel em Agronomia (Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC), Curitibanos/SC, 64 p., 2022.


POPINHAKI, Antonio Carlos. A formação histórica da vila de Curitibanos. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em História (Unifaveni), Curitibanos/SC, 15 p., 2023.

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