domingo, 18 de abril de 2010

Ironias da Vida


Econ. Antonio Carlos Popinhaki

A vida é cheia de ironias. Isso mesmo! Parece até escárnio o que está acontecendo atualmente em Santa Catarina.
 No início do século XX um dos estopins para o conflito do contestado foi justamente a construção de uma ferrovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul. O povo que vivia na grande floresta com araucárias ou Ombrófila não queria nem entendia o que representava uma ferrovia cortando suas terras. Não sabia que após a sua construção viriam benefícios, como rapidez ao acesso a lugares distantes. Não sabia que as comodidades e facilidades de locomoção de cargas trariam progresso para a região.
Da maneira como foi imposta pelo governo brasileiro com a participação de empresas americanas, foi um caos total. Por causa da construção deste empreendimento, travou-se uma das maiores e mais sangrentas revoltas camponesas da História da Humanidade. E aconteceu em Santa Catarina. No dia 22 de outubro de 1912, na cidade de Irani, tropas paranaenses comandadas pelo coronel João Gualberto travaram um violento combate com um grupo de sertanejos sem-terra, liderados pelo “monge” José Maria que pregava a volta da Monarquia e a construção de uma sociedade igualitária. O conflito, que se alastrou por dezenas de cidades catarinenses, durou quatro anos e causou a morte de cerca de 20 mil pessoas.
Vários acontecimentos produziram este levante popular: a disputa de limites entre Paraná e Santa Catarina; a construção da estrada de ferro São Paulo - Rio Grande, pela poderosa multinacional Brazil Railway pertencente ao Sindicato Farquhar; a instalação da segunda maior madeireira da América, a Southern Brazil Lumber & Colonization Company Inc.
Este conjunto de fatores convergia para uma mesma direção: a expulsão dos camponeses, habitantes nativos da região, a ocupação de suas terras e a exploração das ricas reservas de pinheiro araucária. Nesse período praticou-se a primeira devastação ecológica industrialmente planejada na América Latina com a derrubada de mais de dois milhões de pinheiros e outras madeiras nobres.
A estrada de ferro, da maneira como foi construída, inicialmente trouxe mais desordem, destruição do que progresso para a região sul. É incomensurável o tamanho da devastação, do prejuízo causado por este projeto ferroviário do início do século passado. Tanto a estrada de ferro como a madeireira estavam intrinsecamente ligadas, pois a estrada ia onde estava a madeira. O transporte de toras era feito por via ferroviária. Hoje muitas estações e lugares aonde o trem chegou, não funcionam mais. Ficou praticamente inviável sua funcionalidade. A madeira de araucária e imbuia, praticamente acabou.
Ficou evidente que a construção da malha ferroviária apenas servia há alguns poucos interesses pessoais.
Ao relembrar meus tempos de criança, quando ia para Itajaí junto com meu pai buscar cargas de botijões de gás para revender aqui em Curitibanos, lembro que ao redor do rio Itajaí acompanhava a BR 470 uma antiga estrada de ferro. Anos mais tarde, soube que a idéia inicial era fazer a ligação entre o leste e o oeste do Estado.
No ano de 1909, foram inaugurados os primeiros 30 km de linha da Estrada de Ferro Santa Catarina, partindo de Blumenau para Indaial. A partir desta data, começaram a circular regularmente os trens entre Indaial e Blumenau, marcando uma nova era de progresso e desenvolvimento para o Vale o Itajaí. A Estrada de Ferro foi a primeira obra verdadeiramente planejada, no Vale do Itajaí. Seu leito foi construído em altitude tal, que uma enchente tida como moderada não a pudesse alcançar.
Em 1923, começou a ser construído o trecho ferroviário em direção a Rio do Sul, sendo que para isso, era necessário subir a Serra do Mar. Em razão das dificuldades que a serra oferecia aos construtores, este trecho só pode ser inaugurado na Estação de Lontras, em 1929.
Quando então, no ano de 1932, seria inaugurado o trecho até Rio do Sul e em 1937, inaugurava-se o trecho Rio do Sul até Barra do Trombudo. A construção continuava o último prolongamento da E.F.S.C.
Aconteceu em 1958, quando os trilhos chegaram até Trombudo Central. Em 1964 os trilhos chegaram até São João da Agrolândia. Apenas sete anos antes de ser desativada. A ferrovia então foi desativada no dia 13 de março de 1971.
O cenário agora é o início do século XXI. A discussão é novamente a construção de uma nova ferrovia cortando Santa Catarina, desta vez, de leste a oeste do estado. Discute-se se passará por aqui ou por lá. Há mobilização de políticos, empresários e pessoas com algum tipo de interesse no projeto. Ficam como lição, os fracassos anteriores das construções ferroviárias em Santa Catarina. A estrada de ferro construída na região do contestado e a estrada de ferro do vale do Itajaí até o alto vale. Será que agora acertaremos?

Fontes:

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