Texto de Antonio Carlos Popinhaki
O texto a seguir foi extraído do livro, intitulado “O Caminho das Tropas! Curitibanos, o Berço do Tropeirismo em Santa Catarina”, de Euclides J. Felippe. O texto também está publicado num outro livro do mesmo autor, conforme referenciei abaixo. Conta uma história que ocorreu nos anos 1940 no interior de Curitibanos, mais precisamente na fazenda do tropeiro Hilário Quadros de Andrade.
Certo dia, após o seu retorno de uma tropeada pelo interior de São Paulo, a sua esposa, e seus colaboradores da fazenda, juntamente com os vizinhos, desejaram-lhe fazer uma surpresa, pois o seu aniversário coincidia com o seu retorno. Combinaram de comemorar a data com um baile e um churrasco, sem que o aniversariante soubesse.
Como era de costume no interior, ao anoitecer, todos da casa fingiram retirar-se para dormir. Foram se deitar cedo, inclusive o aniversariante, o senhor Hilário. Não demorou muito tempo, na escuridão da noite, em frente à porteira da fazenda, ouviu-se uma salva de tiros e o choro de uma sanfona.
Enquanto o senhor Hilário levantou-se para ver o que era aquela barulheira, alguns convidados enveredaram para o potreiro, onde já estavam escolhidos e separados uma novilha e alguns leitões para a comemoração surpresa.
Proprietários da fazenda, vizinhos e alguns empregados foram para a sala e comemoraram o aniversário do senhor Hilário, esperando o tempo necessário para que os assadores preparassem o delicioso churrasco na brasa.
Após farta comilança, boa e animada conversa, a alegria estava solta e todos se prepararam para o animado baile. Quando iam começar a dançar, eis que surgiu na frente da propriedade um inesperado visitante a cavalo no breu da noite, prostrou-se em frente da residência e descarregou o seu revólver calibre 38, atirando para cima.
Todos saíram para ver o que estava acontecendo. Era mais uma surpresa para o aniversariante, pois, se tratava de um conhecido da localidade de Marombas, um “tranca-ruas”, como se costumava dizer. Foi convidado a apear e a entrar na sala. Serviram-lhe uma bebida em sinal de hospitalidade e fidalguia, sem descuidarem das boas maneiras do inusitado visitante.
Tomou uns goles, repetiu a dose e logo ficou elétrico. Dizem que quando bebemos, nós mostramos aos demais como somos efetivamente. Foi o que aconteceu com esse visitante que apareceu na festa feita de surpresa, para comemorar o aniversário do senhor Hilário Quadros de Andrade. Adentrou alegre no meio da sala, chamando a atenção de todos:
- Viva o aniversarianteee!
Todos repetiram, meio que automaticamente: “Vivaa!”
Em seguida, já puxou uma morena e começou a dançar com ela, de maneira um tanto assanhada para aquele momento. Estava na sala de esporas, com o seu chapéu pendurado às costas pelo barbicacho. De repente, feriu os pés da moça com os garfos da espora. Houve um grito de dor estridente da moça. Estourou uma briga naquela sala, onde todos os incomodados pela presença daquele estranho se reuniram e expulsaram o indigesto para fora por uma janela. Depois de cair para a parte externa, o visitante sumiu na escuridão.
Alguns dias depois, eis que apareceu este pasquim na bodega do João Popinhak, na localidade de Marombas com essa espécie de poesia interiorana:
UMA BATIDA NO GUARDA-MOR
Quando um dia à meia tarde,
Enciiei a minha guacha
Amuntei na pareiera
E saí fazendo facha
Ao pulá do parapeito
Emborquei uma guaracha,
Perfumado bem no geito
Prá encontrá c’uma muchacha
Logo assim que anoiteceu
Ao subi num coxiião
Ouço o choro duma gaita
E o gemido dun violão
O chorinho era tão lindo
Que buliu no coração
Arranquei do trinta e oito
Que berrô feito trovão
Atirando assim sem rumo
Toda carga despejei
Bem na frente do farrancho
Várias brocha já rasguei
Bicharedo foi sartando
Como bespa dum bespero:
- “Quem será o valentão,
- Esse índio cabortero”?
- “Este cabra cupinudo
Este macho muito cuera
E herdero do meu pai
Moradô lá das Tiguera”.
Apiei e fui entrando
Num geitão bem disfarçado:
-“Companhero – me dissero
- Pra dançá ta convidado”.
Já tomei umas e otra
E fiquei meio tragueado
Vendo aquela moçarada
Arriei embasbacado.
Já fiquei entusiasmado
Vendo moças tão bonita
Era vê bodinho novo
No meio das cabrita
Dando uns viva pr’alegrá
Nosso bom niversariante
Erguendo pala cá nos ombro
E saí naquele instante.
Já braciei uma morena
E saí c’os meu trunféu
Fui de bota e reio erguido
C’as espora o c’o chapéu
Lá d’um canto um turuno
Me oiô de atravessado
E com cara de mau modo
Me chamô de marcriado.
Já mandei que arrepetisse
E passei-li a mão na guéla;
Amassei-li bem as fuça
E atirei pela janela.
Ai meu Deus, minha Trindade
Que tromenta mais medonha.
Dexei gente mais comprido
Doque bico de cegonha.
Como num redemoinho
Vinham firme prá pegá
Me virava como um gato
Dando só sarto mortá.
Era aço que rufava
Grito e tiro que saía
Bicharedo sapecado
Testaviavo e caía.
De repente vi um crarão
Tava perto du’a janela,
Vi as coisa s’empretando
Resorvi sartá por ela.
Eu saí co coro liso
Sem um lanho, sem um táio
Mas c’um galo na cabeça
Me doendo com’um raio.
Mas não é que apanhei
Isso foi por puro acaso
Foi no frevô que bati
C’a cabeça lá num vaso.
O meu corpo era ligero
Os meus zóio uns passarinho
Os meus braço era manguá
Os meus pé era ancinho.
Dei-li berro, dei cacete
Dei-li tapa, dei-li murro
Dei-li quengo e ponta-pé
Dei-li coice como um burro.
Eu sô nego de cutuba
Não injeito a parada
Eu nasci em campo aberto
Me criei costeando estrada.
Na rastera dô maçada
Numa faca sô de luxo;
Meus gambito são de mola
Caio fora e nego o bucho.
Numa gaita sô facero
Prá domá sô desastrado
Prá laçá não perco armada
Prá pialá sô respeitado.
Na porfia sei versejá
Sei dançá com as morena;
Mas nos braço duma loira
Inté Deus fica com pena.
Eu fiquei muito sentido
Desse baile se acabá
Desforrei a valentia
Mas meu Bem não pude amá.
O curpado disso tudo
Foi o cabra lazarento
“- Quem mandô me provocá...
- Seu tinhoso fedorento”?
Triste sorte foi a minha
Só por causa do briguento:
Eu perdi minha muchacha
Não dá mais o casamento.
Desde já eu lis prometo
Nunca mais arreliá:
Todo meu o prejuízo
Sem podê recuperá.
Foi perdido o som da gaita
Os ponteado do violão;
Mais os bejo das mulata
Fora encontro e apertão.
Seu Hilário eu li peço
Me perdoe a arrelia;
Até mais um novo encontro
C’um abraço, até otro dia!
Referência para o texto:
FELIPPE, Euclides J. Caminho das Tropas em Santa Catarina (O), O Pouso dos Curitibanos, 1ª edição do autor, 1996, Curitibanos-SC. 158 p.
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