sábado, 9 de janeiro de 2021

PRAXEDES GOMES DAMASCENO

Texto de Antonio Carlos Popinhaki

O texto a seguir foi extraído do meu novo livro que está em fase de lançamento. Adiado temporariamente, por causa da pandemia e seus efeitos de restrições. Trata-se de um livro sobre a história de Curitibanos, da sua gente, e dos seus costumes. Poderá ser utilizado como ferramenta de consulta, pois foi escrito a partir de pesquisas bibliográficas, de campo, viagens e conversas com historiadores e pessoas ligadas ao tema. Além do mais, é o fruto de muito estudo e leitura. O livro poderá ser utilizado, inclusive, como "didático", para ensinar às futuras gerações sobre um passado bem diferente do nosso mundo contemporâneo. O nome da obra é: A GUERRA SANTA DE SÃO SEBASTIÃO NA REGIÃO DO CONTESTADO – (1912 – 1916). - O texto servirá como degustação para os amantes da história regional. Exponho aqui, um breve relato sobre um personagem que contribuiu com a sua própria vida para a história curitibanense.

Praxedes Gomes Damasceno não ficou conhecido apenas por ser um dos líderes da seita dos fanáticos. Nem por ser um apoiador do retorno da monarquia. Nem tampouco, por ser um comerciante idôneo. Um acontecimento regional, envolvendo a sua família, foi exposto publicamente anos antes. Seu pai foi alvo de um processo judicial envolvendo assassinato no ano de 1892. Os vários processos que estão arquivados ou em estado de deterioração nos fóruns e comarcas ajudam os pesquisadores e historiadores numa melhor compreensão do que estava em jogo naqueles idos tempos.

Naquele ano de 1892, os moradores da vila de Curitibanos e arredores foram sacudidos pela notícia de um entrevero entre pai e filho. Após discutirem violentamente, entraram numa espécie de luta corporal, o pai acabou ferindo o seu filho com dois tiros, um na bacia e outro na perna. Em contrapartida, o filho empunhando um facão afiado decepou a mão direita do pai com um golpe certeiro. Como não havia recursos da medicina naquele tempo, o filho que foi alvejado pelos tiros acabou morrendo dez dias depois.

O pai, Clementino Gomes Damasceno, de 56 anos, era casado com Maria Jacinta Balbina Filha, de 45 anos. Ele ficou sabendo que a sua esposa era amante do genro, Antonio Borges da Silva Mattos.

No dia da briga entre pai e filho, Clementino disse ao seu filho Messias, de 26 anos:

ー Messias, meu filho. Estou a ponto de cometer uma loucura. Estou a ponto de matar a sua mãe.

ー Pai, não faça nenhuma besteira. A vila toda já sabia do caso da mãe com o Antonio. Agora é muito tarde para o senhor querer bancar o valentão.

Clementino ficou mais furioso, porque se fosse verdade que a vila toda já sabia e ele não, isso era ainda mais grave. Ele se sentiu um idiota, traído por todos. Imaginou que certamente, todos deveriam estar falando muitas fofocas dele. Ao tentar sair de casa, armado com o objetivo de encontrar Antonio, foi contido por Messias e o entrevero se formou.

Naquela ocasião, Praxedes Gomes Damasceno tinha 21 anos e depôs em favor do seu pai afirmando que sua mãe era efetivamente uma adúltera. Ele mesmo, já havia flagrado os amantes tendo uma relação sexual na beira de um rio próximo.

Depois da absolvição de Clemente, Praxedes assumiu os negócios da família. Vinte anos depois desse incidente familiar, ele se transformaria num dos principais seguidores do monge José Maria. Foi um dos líderes do primeiro ajuntamento de pessoas no lugarejo chamado Taquaruçu. Era chamado por alguns de “Xandoca”. Praxedes possuía uma casa comercial no Taquaruçu, um pouco afastado do local onde foi estabelecido o primeiro reduto[1] dos fanáticos.

No ano de 1912. Praxedes acompanhou o monge José Maria até os Campos de Irani. Depois daquela batalha desastrosa, lutou contra o fanatismo. Aparentemente, mudou seus conceitos. No final de sua vida demonstrou nutrir alguma simpatia recaída pela causa.

(...)

Depois do primeiro ataque ao Taquaruçu, a vila de Curitibanos transformou-se num quartel de forças militares. Temendo uma retaliação dos fanáticos, cavaram vários buracos e fizeram trincheiras para a sua defesa. Formou-se então um grupo de homens, que ficavam de guarda à noite, de olho em qualquer movimento suspeito.

No mesmo dia em que as forças haviam recuado do Taquaruçu chegou em Curitibanos, proveniente da firma Hoepcke de Florianópolis, um carregamento de mantimentos com destino à casa comercial de Praxedes. Essa carga, tendo sido revistada pela polícia, acabou apreendida em Curitibanos. Albuquerque justificou a apreensão, alegando ter encontrado nela, algumas “winchesters” e uma caixa de munição com centenas de balas.

Embora Praxedes tivesse se mostrado contra o ajuntamento de pessoas, como compadre do coronel Albuquerque demonstrou em várias ocasiões de que lado estava. Ele alertou Albuquerque, quando começou o ajuntamento de fanáticos. Também levou frei Rogério até o reduto. Além do mais, a sua bodega estava fora do reduto. Entretanto, justificou que no ano anterior, foi para o Irani, por ter sido obrigado pelos fanáticos. Isso deixou Albuquerque em dúvida.

Sabendo da apreensão da sua mercadoria, no dia 2 de janeiro de 1914, Praxedes recrutou 20 homens bem armados e rumou para Curitibanos. Talvez, ele só queria reaver o que era seu por direito, mas houve alguns que afirmaram que ele queria vingar-se do seu compadre pelo transtorno causado. Antes de chegarem, um emissário, a mando do coronel Chiquinho de Almeida, proprietário de uma fazenda nas imediações da vila, avisou Albuquerque da aproximação.

Dado o alarme, reuniram imediatamente 30 soldados e várias autoridades, que ficaram sob o comando do tenente Sólon, aguardando entrincheirados, a chegada de Praxedes e os seus. Havia em Curitibanos uma velha igreja que foi desmanchada por não atender a demanda populacional. Os soldados e as autoridades ficaram posicionados atrás de várias pilhas de tábuas de madeira, existentes na ocasião, nas imediações dessa igreja. Um dos antigos acessos à vila, pelo lado oeste, passava por onde hoje está situado o Ginásio de Esportes Municipal Onofre Santo Agostini - Onofrão da cidade de Curitibanos. Mais ou menos onde está o Ginásio, havia uma grande lagoa às margens da estrada de acesso oeste. Praxedes e os seus homens estacionaram os cavalos próximo à lagoa. O terreno é acidentado, com morros para os dois lados. Os homens que acompanhavam Praxedes se entrincheiraram nos locais mais acidentados desses morros. Do outro lado, os homens do tenente Sólon estavam perto da igreja. O tenente atirou para cima. Os homens de Praxedes responderam com tiros em direção às pilhas de madeira, começando o tiroteio. Para quem conhece a região nota que a distância parece grande, entretanto, depois de meia hora marcado num relógio, dois dos homens que acompanhavam Praxedes foram mortos. Seus corpos permaneceram perto da lagoa.

Ao ver os dois mortos, Praxedes levantou-se e acenou em direção do grupo que defendia a vila de Curitibanos. Ele acenou com um lenço branco na mão, num sinal de que queria a paz.

ー Não atirem! — Gritou Praxedes.

Nesse momento, o coronel Albuquerque foi ao seu encontro. Abraçou o compadre e disse-lhe:

ー Não é nada meu compadre. Você está garantido.

ー Sei que estou garantido, só quero as minhas cargas.

Após essas palavras, Praxedes afastou-se de Albuquerque, ao virar-se recebeu uma saraivada de balas que o fez prostrar-se ao chão. O vigário da Paróquia, frei Gaspar, o recolheu para dentro da Igreja, que era na ocasião, o colégio dos padres, hoje Colégio Santa Teresinha. Depois, jogaram-no na cadeia. Não lhe foi permitida nenhuma assistência médica, nem mesmo pelos padres da paróquia. Praxedes faleceu três dias depois de ser ferido. Não lhe foi devolvida a sua mercadoria apreendida. Os homens que o acompanharam saíram em retirada atirando. Foram perseguidos a mando de Albuquerque. A guerra entre os fanáticos e a vila de Curitibanos estava declarada definitivamente.

Praxedes deixou como herança, após a sua morte, para os herdeiros (sua viúva e nove filhos), uma casa comercial que foi incendiada, duas partes de terrenos de faxinais[2] e matos em Taquaruçu, que somavam o valor de 450 mil réis, uma mula e um cavalo.


[1] Lugar fechado usado como abrigo, fortificado e protegido.

[2] O sistema faxinal é um sistema camponês tradicional de produção animal e agrícola encontrado no sul do Brasil. Um faxinal é caracterizado pelo uso comum da terra para produção animal coletiva através de criadouros comunitários, produção agrícola para consumo e comercialização, também de extrativismo florestal de baixo impacto. Estima-se que as comunidades de faxinais remontam a dois ou três séculos atrás.

Referência para o Texto:

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação Das Chefias Caboclas, (1912-1916). Ed. Unicamp, 2004, (p 84-89).

Nenhum comentário:

Postar um comentário