sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

METARMOFOSES DO CORONEL – Aldo Dolberth

Baseado no clássico Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal, que dizia: coronelismo era compromisso entre poder privado e poder público. No princípio, era o “coronel” entre aspas. Era o homem-bom, o chefe , o patriarca, o grande senhor de terras e de escravos, base da organização social da colônia. Controlava a terra, a família, o trabalho, a política, a polícia e a justiça.
Quando a colônia virou Brasil, o “coronel” virou coronel, sem aspas. A Regência, não tinha como manter a ordem. Criou a Guarda Nacional, para colocar a manutenção da ordem nas mãos dos que tinham o que perder. Com o tempo, a Guarda deixou de exercer funções de segurança e virou instrumento político-eleitoral. O coronel virou chefe político.
Aperfeiçoou-se ao máximo a técnica eleitoral. As nomeações de funcionários se faziam sob consulta aos chefes locais. Surgiram: o “Juiz nosso” o “Delegado nosso”, o “Promotor nosso”, o “Policial nosso”, o “Diretor nosso”, o “Professor nosso”, para aplicar a lei contra os inimigos e proteger os amigos. O clientelismo, isto é, a troca de favores com o uso de bens públicos, sobretudo empregos, tornou-se a moeda de troca do coronelismo. Em sua forma extrema, o clientelismo virava nepotismo. O coronel nomeava, ou fazia nomear, filho, genro, cunhado, primo, sobrinho. Só não nomeava mulher e filha porque o lugar delas ainda era dentro de casa.
O coronelismo, como sistema nacional de poder, acabou em 1930. Mas os coronéis não desapareceram. Surgiu o novo coronel, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e valores remanescentes dos velhos tempos.
São inegáveis as drásticas mudanças econômicas e demográficas por que passou o país desde 1950. Mas algumas coisas não mudaram tanto. Não mudaram a pobreza, a desigualdade e, até recentemente, o nível educacional. Mas quando o eleitorado começou a emancipar-se, veio o golpe de 1964, apoiado pelos mesmos coronéis de sempre, criando um descompasso entre o social e o político.
Por fim, quando se fala de coronéis hoje, o coronel mudou, mas mantém do antigo, a arrogância e a prepotência no trato com os adversários, a inadaptação às regras democráticas, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o público do privado, o uso do poder para conseguir favores para manutenção do seu poder, enriquecimento próprio e da parentela, o uso das estruturas do Estado para aniquilar adversários, e até o uso de recursos públicos para domesticar a imprensa. Tempera tudo isso com o molho do paternalismo e do clientelismo distribuindo as sobras das benesses públicas de que se apropria, fazendo favores para ficar com o crédito do voto.
Habilidoso, ele pode usar máscaras, como a do líder populista, bondoso e religioso. Para conseguir tudo isso, conta hoje, como contava ontem, com o apoio das outras esferas de governo, prontos a comprar seu apoio para manter a base de sustentação, e ficar com os dividendos eleitorais das obras feitas com dinheiro público. Nesse sentido, o novo coronel é parte de um sistema clientelístico nacional.
Que os mais necessitados e menos esclarecidos que trocam seu voto por um favor, uma cesta básica, um tanque de gasolina, os analfabetos funcionais, os eleitores iniciantes, elejam e reelejam os neo-coronéis, pode-se entender. Mas quando artistas, intelectuais, servidores públicos concursados, pessoas da imprensa, diplomados, pessoas de posses e esclarecidas, se solidarizam com paizinhos e paizões, a análise precisa ir mais fundo, além da Sociologia. Ela precisa questionar a natureza de nossa cidadania, aventurando-se nos subterrâneos da cultura e da psicologia coletiva. Os valores subjacentes aos pólos coronel/cliente, pai/filho, senhor/servo, parecem persistir na cabeça de muitos de nossos melhores cidadãos e cidadãs, bloqueando a consolidação democrática.

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