domingo, 21 de janeiro de 2024

O MORMONISMO EM CURITIBANOS

Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Ao escrever sobre o mormonismo em Curitibanos abro uma nova série de textos relacionados ao estabelecimento histórico das crenças locais. Sabemos que os moradores da região, culturalmente, sempre foram católicos. Essa tradição vem desde os primórdios da passagem e estabelecimento dos portugueses pela região. Capitão António Jozé Pereyra, foi proprietário e morador da Fazenda dos Coritybanos até o ano de 1779. Como católico, foi sepultado na Capela da Igreja Matriz da cidade de Lages. Naquela época, não havia um lugar chamado Curitibanos. O aglomerado de casebres e famílias aconteceu no início do século XIX. O povoado de Curitibanos foi organizado e fundado no alto duma coxilha, mais precisamente, próximo onde hoje está a Praça da República e arredores.

Encontramos anotações em mapas antigos, que na época da fundação do povoado de Curitibanos, o local era chamado de Nossa Senhora da Conceição dos Curitibanos. Os primeiros padres franciscanos apareceram no local somente a partir de 1864, quando o local passou a ser chamado de Freguesia. É sabido e notório, inclusive, pelos escritos de Frei Valentim Tambosi que havia, no início do século XX, atividades protestantes ou evangélicas em Curitibanos, de denominações não católicas. Essas atividades culminaram com a fundação e o estabelecimento de algumas seitas e igrejas protestantes ao longo do século.

Dentre essas denominações religiosas que se estabeleceram em Curitibanos, uma em especial merece registro. Trata-se da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma ramificação do mormonismo, também conhecidos como Brighamitas. A história do mormonismo em Curitibanos passa pelos escritos de uma senhora que foi considerada a primeira pessoa a aceitar a doutrina e batizar-se. 

Julieta Pereira da Silva nasceu em 12 de julho de 1912, na então vila de Canoinhas, estado de Santa Catarina. O seu pai se chamava Paulino Pereira da Silva e sua mãe, Emília Maria da Silva. Paulino foi um desafeto do antigo superintendente da vila de Curitibanos, Francisco Ferreira de Albuquerque por causa de um selo para as garrafas de “gasosa”, um refrigerante da época fabricado por Paulino, em sua rústica fábrica. Ele esteve envolvido com os caboclos e fanáticos da Guerra do Contestado, até que teve que mudar-se para a vila de Canoinhas, onde tinham parentes. Foi naquele lugar que Julieta nasceu, dois anos antes do incêndio de Curitibanos, onde o seu pai estaria envolvido e entre os incendiários e saqueadores.

Julieta casou-se em 26 de novembro de 1932, em Curitibanos com o senhor Orlando Ganz. Passou a assinar como Julieta Pereira Ganz. Ela contava a todos que era uma pessoa muito religiosa e que seguia e professava a fé católica. Isso, até conhecer o mormonismo, em 1961, quando já tinha 49 anos. Os escritos a seguir fazem parte de um “diário” que Julieta, membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, entregou, certa vez, aos meus cuidados, quando já contava com mais de 90 anos de idade. Ela morreu tempos depois, num asilo, na cidade de Curitibanos, não se lembrando de nada, não conhecendo ninguém e não sabendo nem o que era o mormonismo, muito menos, o catolicismo. Em seus últimos dias de vida, ela tinha lapsos de memória dos hinos cantados na igreja católica, se lembrava esporadicamente, dos tempos em que era católica, das músicas da Igreja católica, entretanto, da mesma maneira que lembrava, esquecia.

Antes de passar aos textos, eu gostaria apenas de explicar algumas palavras usualmente conhecidas no mormonismo, mas que podem oferecer dúvidas ao leitor. Ramo significa um agrupamento de pessoas em torno da mesma fé, uma espécie de organização ou núcleo, devendo-se reportar a uma entidade maior. Ala é um agrupamento maior e mais organizado que um Ramo. Estaca é a organização que controla as atividades dos Ramos e das Alas. No Catolicismo temos a Diocese, que controla as atividades das Paróquias. A palavra Élder é um título, como um sacerdote ou padre no catolicismo. No caso específico da senhora Julieta, ela referia-se aos missionários, que também são chamados de Élderes. Segue os escritos:


“Em janeiro de 1961 foi aberto pela primeira vez o Ramo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias na Cidade de Curitibanos. Em 18 de junho de 1961, eu me batizei. Foi um dia maravilhoso. Fui batizada pelo Élder Robert D. Lamoreaux. Dia 06 de abril de 1962 fechou o Ramo. Ainda lembro o quanto chorei nesse dia! Passaram-se 14 anos sem a Igreja aqui em Curitibanos. Durante esse período, de vez em quando, eu ia assistir às reuniões no Ramo da cidade de Lages. Sou grata aos membros de Lages, que sempre tiravam um tempinho para me visitar. Finalmente, no dia 26 de fevereiro de 1976 foi reaberto novamente o Ramo nesta cidade. Os missionários que iniciaram o trabalho de evangelização, em Curitibanos, foram: Elder Walmir Utrera e Elder José Luiz de Oliveira. A pia batismal foi construída nos fundos da minha casa, em 22 de junho de 1979. Além do pedreiro contratado, trabalharam na construção alguns missionários. Existe uma pedra, ao lado da pia, onde estão gravados, no cimento, os nomes dos Élderes e a data da construção. Participaram na primeira reunião que tivemos quatro pessoas, dois missionários, eu e um rapaz de nome Alexandre. Até hoje, 08 de julho de 1983 foram batizados 91 pessoas.


Ela conta em seus escritos, que 22 anos depois do seu batismo, em Curitibanos, havia apenas 91 pessoas que aceitaram os ensinamentos da doutrina Mórmon. Isso se deve ao fato de que a Igreja é de origem americana e que trás vários problemas em sua doutrina e história. Nos primórdios do estabelecimento do mormonismo, em 1830, o fundador, um rapaz chamado Joseph Smith Júnior afirmava a todos que recebeu a visita de anjos, de Jesus e do próprio Deus, dizendo-lhe que não seguisse ou se filiasse a nenhuma outra igreja existente ou estabelecida na terra, pois ele mesmo deveria fundar a verdadeira igreja. Para tentar convencer ou provar que suas palavras eram verdadeiras, Joseph apresentou, publicado e impresso, um livro, ao qual denominou de Livro de Mórmon, Um Outro Testamento de Jesus Cristo. Nesse livro, Joseph afirmava que Jesus Cristo, quando foi morto em Jerusalém, visitou o continente americano, estabelecendo a sua igreja para os nativos, ancestrais dos indígenas americanos.

Para a maioria das pessoas que conseguem racionalizar e ponderar, a doutrina é confusa, porque ao pesquisarem e estudarem um pouco mais, percebem que esse mesmo Joseph Smith Júnior, nos Estados Unidos, esteve envolvido em várias contravenções, como falsificação e emissão de dinheiro e documentos, busca por tesouros escondidos, adultérios, poligamia e poliandria. Ele foi preso várias vezes, em vários lugares por onde o mormonismo esteve presente, até que foi assassinado. Após a sua morte, houve várias ramificações do mormonismo, sendo a maior, a Igreja Brighamita, a mesma que se estabeleceu em Curitibanos. Brighamita, porque os membros seguem as orientações promulgadas por um homem, de nome Brigham Young, um dos hipotéticos sucessores de Joseph Smith Júnior após a sua morte. Hipotético, porque após a morte do líder e fundador do mormonismo, havia várias pessoas que queriam ocupar seu lugar.

Continuando com os escritos da senhora Julieta, encontramos:


Em novembro de 1984 foi comprado o terreno para a construção da capela. De fevereiro de 1976 até 1985 nossas reuniões funcionaram em três locais diferentes, todos em casas alugadas. A próxima mudança será para a nossa capela própria e será definitiva”.


Hoje, 15 de outubro de 1985 foi iniciada a construção da nossa capela. Uma benção muito especial de nosso Pai Celestial que nos encheu a todos de muita alegria”.


Em 21 de novembro de 1985 fomos ao Templo de São Paulo pela primeira vez na vida. Foi uma experiência maravilhosa! Jamais esqueceremos”.


Julieta Pereira Ganz morreu no ano de 2005, no asilo de Curitibanos. Fraca, debilitada e sem assistência, sem parentes, sem ninguém para cuidar dela nos seus últimos dias. Foi praticamente jogada no asilo por um casal de netos que viviam em Belo Horizonte. Quando ela morreu, não demoraram em vender o pequeno lote e a sua humilde casa para embolsar alguns trocados herdados, fruto da transação imobiliária

Ela se batizou na seita Mórmon com 50 anos e faleceu com 93 anos, magra e desnutrida num dos leitos daquele macabro asilo. O que me chamou a atenção foi que apesar de todo o empenho que esta mulher teve em perseverar a sua fé na seita, aparentemente, de nada adiantou. Os membros não a ajudaram. A organização religiosa não a ajudou, por mais que ela fosse, nos tempos de outrora, dizimista fiel, guardadora dos mandamentos e ensinamentos d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, pioneira da Igreja em Curitibanos. Não adiantou nada para ela. As mulheres, “irmãs da Sociedade de Socorro”, tinham verdadeiro pavor de visitá-la no asilo. Inventavam mil desculpas.

A história do mormonismo em Curitibanos após a senhora Julieta teve seus altos e baixos. Altos, a partir da década de 1980 até meados dos anos da década de 2000. A partir daí, a seita teve dificuldades de convencer as pessoas a aceitar os ensinamentos e a própria doutrina. Isso, por causa da internet que disseminou ao mundo a verdade sobre o mormonismo. Os mórmons não bebem café, não bebem álcool e não comercializam nos domingos. Para alguns, assistir televisão, num domingo, é um pecado. As cobranças de dízimos e ofertas começam bem antes do batismo, quando os missionários perguntam às pessoas se elas estariam preparadas para pagar. 

As viagens para conferências e visita aos templos são intermináveis e despendem muito dinheiro. A doutrina, para os que raciocinam, é insana: batismos pelos mortos, homens que contraem vários casamentos com várias mulheres falecidas, além de seguir as orientações de um hipotético “profeta vivo”, que não profetiza nada, além de muitas promessas e intermináveis rituais. Por essas e outras razões é que a seita mórmon tem problemas com a captação de pessoas.

Hoje, em Curitibanos, por causa do dinheiro dos dízimos e por causa da frequência que a Ala Curitibanos tinha, nos tempos das “vacas gordas”, existe uma luxuosa capela construída. Bonita por fora, vazia por dentro. Resolvi escrever sobre esse assunto, porque senti que tinha uma dívida com todos que querem saber mais sobre esse assunto, pois eu mesmo fiz parte dessa organização no passado e, como muitos, foi numa época sem nenhuma informação adicional. Depois que descobri como era de fato o mormonismo, abandonei a fé.



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