Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Escrevo hoje sobre um tempo de nostalgias, um tempo que não retornará mais, mas que está vívido em minha mente. Um tempo em que o nosso clima, as matas e os rios eram diferentes. Pedro Popinhaki (in memoriam), o meu pai, gostava muito de pescar. Talvez, porque fora criado às margens do Rio Marombas, pescando invariavelmente, em sua infância e juventude, quando os peixes eram abundantes e as águas não tinham nenhuma poluição urbana. Sentia-se muito bem com esse hobbie, tanto que passou isso aos filhos, mesmo quando ainda éramos pequenos. A verdade é que ele sempre praticou uma boa pescaria, quer fosse com artefatos, como espinhéis, redes, tarrafas, caniços ou linha de mão. Tinha por hábito, levar-nos juntos, nas suas pescarias de finais de semana, principalmente quando era verão. Às vezes, pernoitávamos na beira de um dos rios da região de Curitibanos. Rio Marombas, Rio Canoas, Correntes e um rio menor, que fica na região de Lebon Régis, eram os nossos preferidos.
Só por essas atividades proporcionadas por meu pai, posso dizer-lhes, que a minha infância e adolescência foram maravilhosas. Apesar de nunca ter morado no sítio e ter me afastado, por causa do trabalho, da minha casa paterna desde meados dos anos da década de 1980, jamais esquecerei os momentos felizes daquelas pescarias em família, no interior das matas curitibanenses.
Pedro era muito corajoso. Nunca vacilou em nos levar nas suas buscas por peixes, mesmo sabendo que lhe daríamos muito trabalho. Pois, qual homem, ao sair para pescar com seus filhos pequenos, não percebe logo, que a pescaria talvez não renda muito em quilos de peixes? Ao invés de pescar, terá que ficar mais tempo cuidando dos filhos. Aparentemente, nunca notei que o meu pai tivesse esse temor, que algo de ruim acontecesse conosco, e nem receio, pelo contrário, estava sempre feliz por nos levar juntos.
Uma vez, devia ser o ano de 1973, tínhamos um automóvel modelo “Aero Willys Rabo de Peixe”. Pedro Popinhaki trocou uma antiga camionete “Rural Willys” por esse automóvel. Convidou um vizinho, chamado Frederico Paes de Farias (in memoriam), para uma pescaria na foz do Rio das Pedras. Eu fui junto. Naquela ocasião, não lembro a razão, mas eu fui o único filho que teve essa oportunidade. Chamávamos o lugar de “barra.” Era onde se encontravam as águas do rio Marombas com as do Rio das Pedras. Para resumir, é onde o Rio das Pedras faz o papel de um afluente, despejando as suas águas no Rio Marombas. Conosco, foi o amigo e colega de pescaria de meu pai, o senhor José Cavalcante (in memoriam), o esposo da Dona Donata (in memoriam). Eu tinha dez anos e lembro-me bem do que aconteceu nesse evento.
Chegamos no local da pescaria, eu, como um menino ingênuo daqueles tempos, não sabia o que era nadar. Se eu caísse nas águas daquele rio, morreria certamente afogado, pois eu não sabia nadar. Nunca entrara num rio. Quando meu pai estacionou o automóvel sob algumas árvores, notamos, que a canoa do proprietário do terreno, estava do outro lado do rio Marombas. Hoje, adulto, percebo que não é um lugar onde o rio é muito largo. Para mim, naquela época, era um vão intransponível. Foi escolhido o senhor José Cavalcante para atravessar “a nado” o rio e buscar a canoa para a pescaria. Ele teve que despir-se. Eu e os demais, tivemos que nos afastar em sinal de respeito e também para não vermos ele nu. Foi rápido. Em pouco tempo, a canoa estava do nosso lado, disponível para os pescadores armarem algumas redes e espinhéis, com o pretenso sonho de sucesso na captura dos peixes do lugar.
Enquanto eles estavam se preparando para essa empreitada, lembro-me, que fiquei cansado, talvez por brincar e correr pelo local, sob as árvores. Acabei adormecendo e antes de pegar no sono definitivamente, meu pai arrumou o porta-malas da Aero Willys com algumas cobertas, para eu dormir tranquilamente. Ainda não era meio-dia. Hoje, atribuo que esse sono repentino, foi devido a termos saído de Curitibanos ainda de madrugada. Devíamos ter acordado muito cedo e eu dormira pouco na noite anterior, pela euforia de poder ir pescar com aqueles experientes homens. Eles falavam os nomes dos peixes com muita naturalidade e intimidade, falavam dos lugares onde pescaram e dos artefatos utilizados em muitas das suas aventuras pesqueiras. Era uma honra para mim, a companhia desses homens.
Quando acordei, não vi ou ouvi ninguém no local do improvisado acampamento. Fiquei assustado. Um menino de dez anos, num lugar que só se via mato. Lembro que as árvores eram muito altas. Do lado norte e oeste só via rios e não podia transpassá-los. Eu não sabia nadar. Gritei várias vezes! “Paaaaaai! Paaaaaai!” Ninguém respondeu. Achei um facão em algum lugar e percorri a margem do Rio Marombas, costeando-o rio acima. Após caminhar por alguns minutos, tomando o cuidado de não perder o rio de vista e de gritar muito por meu pai, escutei vozes distantes. Eram homens conversando. Com dez anos, fiquei apreensivo por saber se era meu pai e seus colegas de pescaria ou se eram outras pessoas conversando. O problema é que o mato estava fechado demais. Não tinha muito acesso para caminhar no meio daquelas árvores, desníveis no terreno, taquaras e banhados. Fiz o que pude. Felizmente, era meu pai que estava com o senhor Frederico Paes de Farias e o senhor José Cavalcante na canoa, voltando para o acampamento. Pude reconhecer as suas inconfundíveis vozes. Eles não gostaram muito de eu ter saído do acampamento sozinho, e ainda, com um facão na mão. Meu pai sempre me proibia de pegar facas e ferramentas cortantes. Realmente, era perigoso, eu poderia me machucar, eu não sabia disso. Hoje reconheço que ele estava certo quanto a essa preocupação.
Nessa história, só achei estranho, o fato de eles terem me deixado dormindo sozinho no porta-malas da Aero Willys. Talvez julgaram que eu demoraria para acordar e teriam tempo suficiente para se afastar. Aquela, foi uma boa pescaria. Conseguiram pescar peixes suficientes para dividir em três partes iguais, saciando os apetites de três famílias. Ainda mais, satisfazendo a todos, só pelo fato de irem pescar juntos.
Voltamos muitas outras vezes naquele local. Na maioria das vezes, meus irmãos João e Pedro estavam juntos comigo. Quando éramos bem novos, não nos aventurávamos muito na pescaria em si. Primeiro, porque não sabíamos nadar e era rigorosamente proibido por nosso pai, de ficarmos muito próximo do barranco do rio. Poderíamos sofrer algum acidente e cair na água. Isso poderia ser fatal. Hoje, não vou para perto do rio, com criança alguma, sem um colete salva-vidas. Não tínhamos esse apetrecho naqueles tempos. Geralmente, ficávamos no acampamento observando os adultos pescarem, brincando, explorando à nossa maneira. Uma vez, neste mesmo lugar de pesca entre o Rio Marombas e a foz do Rio das Pedras, eu encontrei acidentalmente, enterrado num monte de areia, na margem do Rio Marombas, um carrinho novinho de plástico. Não sei como foi que alguém pôde ter esquecido o brinquedo ali. Pode ser, que ele tenha vindo de outro lugar rio acima, e que fora enterrado pela força da correnteza, numa das frequentes cheias naturais.
Desde pequenos, convivemos com redes, tarrafas, linhas de pesca, chumbos e anzóis de diversos tipos. Tínhamos até uma canoa. Lembro-me, que era uma canoa feita toda em cedro, feita por um tal senhor Araújo, que trabalhava como afiador de serras na antiga serraria do tio Antonio Popinhak. Para inaugurarmos essa canoa, tivemos que transportá-la para as águas do Rio Marombas, na Fazenda da Cadeia (propriedade de Antonio Popinhak). Na primeira vez que foi colocada na água, entrava mais água do que o imaginado. Ficamos todos meio decepcionados, com a quantidade de água que entrava na canoa quando estava no rio. A madeira estava muito seca e precisou de um tempo para que as frestas fossem fechadas.
Nessa pescaria, não tivemos muita sorte, pois não pescamos quase nada. Meu pai levou alguns espinhéis (tipo de pesca com linha de espera, constituído por uma linha principal e mais resistente, forte e comprida, de onde saem outras pequenas linhas com anzóis, em intervalos cadenciados). Não sei precisar ao certo, se estávamos muito barulhentos naquele dia ou não tinha mesmo peixe, não sei explicar. No dia seguinte, não pudemos nem dividir os poucos exemplares que foram capturados ou fisgados nos espinhéis.
Mas isso não foi motivo para desanimar. Não demorou muito para retornarmos até o local, desta vez, com muitas redes. Então pernoitamos, montamos algumas barracas improvisadas, fizemos uma enorme fogueira para nos aquecer à noite. Comemos o que levamos para o acampamento. Nessa pescaria, foi junto conosco o filho mais novo do tio Antonio e da tia Theresinha Camargo (in memoriam), o Adrialdo Camargo Popinhak (in memoriam). Nós o chamávamos pelo apelido de Ado. Ele pernoitou conosco nas barracas de lona. Lembro que tomamos café com leite condensado. Ado disse-nos que nunca, antes, tinha tomado café com leite condensado, mas que gostou. Ele era da minha idade, nos dávamos bem.
Pescamos muitos peixes, inclusive, uma carpa enorme. Penso que foi a maior que eu já vi na minha vida. Bem, isso pela ótica de um rapazola. Meu pai e alguns amigos dele, que estavam na pescaria, tiveram que cortar a rede, pois a carpa era muito forte e se entrelaçou de tal forma, que não foi possível tirá-la sem estragar o artefato de pesca. Nessa mesma pescaria, eu fiz uma das minhas “burradas”, como aprendiz de pescador. O peixe que foi mais capturado era da espécie conhecida popularmente como “cascudo”. Havia muitos cascudos naquela manhã, quando as redes foram içadas. Eu, ainda um rapaz de 15 anos, peguei um cascudo grande, que caiu no chão e ficou sujo de terra ou barro e, pelo rabo, fui lavá-lo no rio. Quando coloquei o peixe no rio, percebi que ele estava vivo e debateu-se, me dando um susto, fazendo com que eu o soltasse. O Cascudo nadou para a sua liberdade. Levei uma bronca generalizada de todos. Fiquei triste pelo ocorrido, nunca esquecendo “essa burrada”. Felizmente, naquele dia, foram pescados muitos peixes no Rio Marombas, na Fazenda da Cadeia. O incidente foi logo esquecido e as pessoas não ficaram mais zangadas comigo. A abundância compensou!
São muitas histórias, envolvendo a minha família e as pescarias nos rios da região. Isso daria um bom livro. Guardo-as em minha mente, até o esquecimento completo. Dessa forma, encerro os meus escritos sobre o meu pai, Pedro Popinhaki e as nossas pescarias em família ou com os seus amigos. Hoje, todos falecidos.
Referência para o texto:
POPINHAKI, Antonio Carlos. Popiwniak / Antonio Carlos Popinhaki — Blumenau: Gráfica e Editora 3 de Maio, 2015. 173 p.
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