Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Os escritos a seguir são verdadeiros e fizeram parte da minha vida, enquanto eu ainda era um garoto em pleno desenvolvimento, na antiga cidade de Curitibanos dos idos anos da década de 1970. As histórias têm relação com o falecimento do antigo pároco da igreja Católica de Curitibanos, o Frei Eliseu Tambosi. Nunca me relacionei quotidianamente com ele, entretanto, os meus breves contatos foram suficientes para produzir lembranças que permeiam inconscientemente a minha memória.
Uma vez, uma antiga amiga de Curitibanos, de nome Magda, disse que nossas memórias estão todas guardadas em nosso cérebro, não importa o quanto esqueçamos, “estão todas lá”, foi o que ela disse. Nestes últimos dias, não sei explicar, mas talvez, devido à chuva que se fez presente por diversos dias consecutivos, talvez, pelo falecimento de uma pessoa muito emblemática em Curitibanos, ou então, devido aos meus últimos feitos de escrever biografias de personalidades curitibanenses do passado, mas o fato é que acordei hoje com lembranças dos meus tempos de guri.
A primeira vez que lembro desse padre foi numa missa dominical que fui com o meu pai. Com exceção da minha mãe, todos acompanhávamos regularmente o senhor Pedro Popinhaki nas missas, geralmente aos domingos pela manhã. Apesar do seu pouco entendimento, ele tentou inculcar em nós uma espécie de religiosidade, talvez, devido à sua família, que no passado, sempre esteve ligada ao catolicismo.
Lembro haver em Curitibanos um padre de nome Frei Walmor, que esporadicamente, levava jovens para passar um dia no campo, em contato com a natureza. Certa vez, acompanhei o grupo até uma cachoeira existente no lajeado Estância Nova, próximo ao aeroporto de Curitibanos. Eu tinha, na época, os meus 13 anos, recordo-me que esse grupo de jovens levou para o local de destino, comida, corda, mochilas e utensílios para um dia no campo.
Eu nunca fora tão longe pelo mato. Cansamos bastante ao cruzarmos capões de enormes araucárias que hoje não existem mais ao lado do bairro São Francisco, antes mesmo de chegarmos no aeroporto pelos terrenos privados. Depois, atravessamos toda a extensão da pista de pouso e decolagem, que na época, era de terra sem camada asfáltica. Após atravessarmos várias cercas e taipas, potreiros, chegamos num enorme capão de mato e araucárias enormes (que também não existe mais).
O padre e algumas freiras, com alguns jovens, começaram a montar uma espécie de sede para nos reunirmos ao meio-dia, acredito que quando chegamos no local era umas onze horas, pois demoramos bastante em nossa longa caminhada. Esse capão de mato abrigava de forma quase camuflada, ao ser visto de longe, um grande barranco, cujo interior passava um riacho de águas limpas. Era o lajeado Estância Nova. Alguns jovens e uma freira começaram a descer aquele enorme terreno em declive, sempre escutando o som do riacho ao fundo, mas não vendo água alguma. De repente, depois de algum tempo, lembro que uma freira que estava na frente do grupo gritou: “meu Deus! Que coisa mais linda!” Levou as mãos aos céus e depois juntou as palmas como se quisesse rezar. Expressava assim, sua alegria pelo achado. Ao descer até onde ela estava, lembro que eu também fiquei extasiado, pois, estava diante de uma das mais lindas cascatas que existiam em Curitibanos.
Alguns jovens maiores, talvez que já estiveram no local antes, ou talvez, porque quisessem mesmo fazer isso, de calção, pularam na água que era calma abaixo do véu branco de águas límpidas daquela cascata. Nadaram e brincaram até cansar. Os demais jovens e a freira, inclusive eu, retornamos barranco acima para contarmos ao Frei Walmor e aos demais o nosso achado.
Alguns outros jovens, aproveitando-se das cordas que levaram, fizeram uma balança sobre o barranco e árvores, algo que me pareceu bem perigoso, pois uma queda daquela balança seria, talvez, fatal. A alegria foi generalizada naquele dia. No final da tarde, padre, freiras e jovens estavam literalmente, quase todos “mortos de cansados”, pois a caminhada de ida e volta fora mesmo extenuante.
Você deve estar se perguntando: o que essa história tem a ver com o Frei Eliseu? Bom, naqueles tempos, no ano de 1976 e 1977 eu também era um coroinha na igreja católica de Curitibanos. Ajudava os padres, nas missas, principalmente nas noites de meio de semana. Sim, quase todas as noites eu ia à missa e tocava o sininho num certo momento da ordenança da missa. Eu conhecia bem o Frei Walmor e o Frei Félix, mas não conhecia o Frei Eliseu. Lembro que o vi pela primeira vez, naquela missa que fui com o meu pai, naquele longínquo domingo.
Tê-lo conhecido daquela forma, foi o suficiente para levar uma bronca da nossa professora de religião, a Irmã Angelina. Na sua aula, ela nos cobrava a ida rigorosa à missa dominical. Segundo suas palavras: “é um pecado mortal não assistir à missa dominical”. O pior é que eu tinha medo mesmo de cometer esse tal pecado, ou seja, não assistir a tal missa. Entretanto, como eu era coroinha e participava da maioria das missas nas noites de segunda à sexta-feira, naquela época, não me preocupava muito, pois pensava que eu tinha certo crédito com Deus com relação ao número de missas assistidas.
Naquela aula, que era numa segunda-feira, a Irmã Angelina queria saber quem dos seus alunos, fora à missa no dia anterior. Levantei a minha mão e confirmei a minha presença no ritual católico de manhã de domingo. Ela então me perguntou, perante os demais alunos da sala, “quem foi o padre que celebrou a missa?” Respondi para ela: “Não sei o nome dele, Irmã, é um padre novo que não sei ainda o seu nome.” Foi o suficiente para ouvir dela uma reprimenda. “Você pensa que pode me enganar? Você não foi na missa coisa nenhuma, se tivesse estado lá, saberia quem foi que celebrou a missa. O Frei Eliseu não é nenhum padre novo, ele é o nosso Pároco há anos.” Desde então, fiquei conhecendo o Frei Eliseu, sabendo ser o Pároco da igreja católica de Curitibanos.
Os anos passaram, agora eu estava com 16 anos e trabalhava com um senhor de nome Tenente Joaquim Silva. Ele tinha um escritório de despachante veicular e também era o representante do jornal “O Estado” de Florianópolis, para a cidade de Curitibanos. Eu tinha, como uma das tarefas diárias, distribuir e vender exemplares desse jornal entre os curitibanenses. Lembro ser um dia de chuva, quando me abriguei com a bicicleta e jornais sob a marquise da entrada da igreja Matriz Imaculada Conceição, esperando que a chuva desse uma trégua ou diminuísse sua intensidade. Enquanto esperava, eis que surgiu ao meu lado o Frei Eliseu Tambosi. “Está esperando a chuva passar?” Disse-me ele. “Sim! Creio que não demorará muito e poderei continuar com as minhas entregas de jornal.” Respondi. “Eu também vou esperar a chuva diminuir para ir ali na casa da dona Célia tomar um café.” A dona Célia, a pessoa à qual se referiu o Frei Eliseu, era Célia de Andrade Lemos, Ministra Extraordinária da Eucaristia, que também ajudava nas missas dominicais. Ela morava numa casa próxima da Praça da República e consequentemente, perto da igreja.
É interessante como pequenas lembranças podem se tornar numa história, com enfeites, rodeios e arranjos. Foi um instante, mas o suficiente para nunca mais esquecer. Como disse a minha amiga Magda: nossas memórias estão todas guardadas em nosso cérebro, não importa o quanto esqueçamos delas, “estão todas lá.” A qualquer momento, poderemos acessá-las de uma maneira que talvez nem imaginamos. Lembrei desses momentos hoje, após meditar sobre os últimos acontecimentos. São reminiscências, boas memórias e salutares para compartilhar. Espero poder lembrar de mais fatos e escrevê-los posteriormente.
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