Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Quanto eu tinha 19 anos e estava no Exército brasileiro, numa das frequências ao interior do Cassino de Praças do batalhão, fui apresentado a um tabuleiro de xadrez. Eu confesso que fiquei curioso para saber como as peças se movimentavam e como era que se jogava aquele jogo milenar.
ー Vamos jogar xadrez Popinhaki? ー Perguntou para mim, o soldado Perrony que também era de Curitibanos.
ー Não sei jogar. Gostaria de aprender, se você me ensinar, podemos jogar.
ー Eu te ensino. Primeiro temos que arrumar as peças no tabuleiro. De um lado ficam as peças brancas e do outro, as peças pretas. Cada peça tem um lugar certo dentro de uma coluna e fileira.
Ele foi arrumando as peças e me mostrando como se movimentava e como era feita a captura. Gostei da 'brincadeira'. Demoramos um tempo até que eu pudesse tentar memorizar algo daquela explicação inicial. Logicamente, ele ganhou as partidas que começamos, pois, eu não tinha muita noção de como dar um xeque-mate.
No final de semana seguinte, eu fiquei no quartel, pois fui escalado para tirar um dia de guarda no domingo, por essa razão, não compensava vir para Curitibanos e voltar no dia seguinte, visto que o valor da passagem de ônibus não era muito barata para um soldado do exército e seu irrisório soldo. Os soldados que serviam o exército em Lages e que moravam fora da cidade, para se deslocarem para suas casas, valiam-se de pedir carona na beira das rodovias.
Aproveitei o sábado livre e fui até o centro da cidade de Lages. No calçadão que fica perto ao antigo colégio Aristiliano Ramos, há uma banca de revistas, livros e jornais. Ao bisbilhotar o que estava exposto, deparei-me com um livro que tinha como título: “Aprenda a jogar xadrez”. Pedi o preço do livro ao vendedor da banca. Não era caro e eu o comprei no ato. Voltei para o batalhão e de posse do livro, dirigi-me até o Cassino dos Praças, para praticar os ensinamentos daquele volume.
Peguei o tabuleiro, arrumei as peças e aprendi, logo de início alguns conceitos que não foram ensinados pelo soldado Perrony. Aprendi sobre o avanço das peças e as várias categorias de xeque-mate. O mate do pastor, Philidor, do corredor,…
Gastei um bom tempo da tarde do sábado praticando e aprendendo xadrez com base nos ensinamentos do livro que eu comprara. De repente, a minha mente começou a memorizar aqueles breves conceitos. Meio que decorei o básico. Não contei nada para o soldado Perrony sobre o livro e nem sobre o que eu aprendera.
No meio da semana seguinte, convidei ele para jogar xadrez. O Perrony, meio que não mostrou muito interesse, pois sabia que eu mal tinha aprendido a jogar e, no seu entendimento, tudo o que eu conhecia de xadrez, fora ele que me ensinara. Com insistência, convenci ele a irmos até o Cassino dos Praças.
ー Vou te ganhar hoje. Não precisa me ensinar mais nada, porque o que eu aprendi de você foi o suficiente. ー Falei para ele em tom irônico e um tanto malicioso ou maldoso.
Dito e feito, jogamos mais de uma dezena de partidas e ele não me ganhou nenhuma. Aquilo me deu ânimo, comprei mais livros, que chegaram pelo correio. Fiz um tabuleiro e comprei peças avulsas numa loja em Lages. Depois comprei um tabuleiro tamanho oficial. Ensinei meus irmãos e alguns vizinhos a jogar Xadrez. Tudo isso no ano de 1982. Desde aquele tempo, até agora, tenho praticado de forma esporádica e como passatempo. Apesar de gostar, nunca me aprofundei ou me especializei nesse esporte que usa mais a mente do que o corpo, nem me tornei um 'Mestre'.
Ultimamente, com a pandemia de Coronavírus, o mundo, de repente, começou a dar atenção ao xadrez. Filmes e séries foram lançadas sobre o tema. O esporte se popularizou na ‘internet’. Plataformas ‘on-line’ aproximaram o mundo, unindo diversos jogadores de todos os cantos da Terra, em partidas, torneios e campeonatos disputados diuturnamente.
Aqui na nossa cidade de Curitibanos, tínhamos um grupo que se reunia semanalmente para jogarmos algumas partidas de forma presencial antes da pandemia. Depois, só jogamos ‘on-line’. Fizemos alguns torneios e não deixamos o esporte no esquecimento.
Dias atrás, no dia 1.º de abril de 2021, começamos um torneio aqui em Curitibanos com 26 participantes de todas as idades. O torneio foi dividido em três grupos, onde jogaram todos contra todos dentro de cada grupo. Os três melhores de cada grupo avançaram para uma nova etapa, onde houve 5 partidas para cada um dos 9 jogadores. Essa segunda fase começou no dia 18 de abril, tendo a obrigatoriedade de término no dia 22 de abril. Os três melhores jogadores seriam os vencedores do torneio com classificação de 1.º, 2.º e 3.º colocados num pódio virtual.
As minhas partidas foram tranquilas na primeira fase. Classifiquei-me para a fase final, sem me preocupar muito, pois os adversários não me apresentaram grandes dificuldades. Perdi duas partidas, mas sabia que avançaria no torneio. Na segunda fase, foi diferente. Todos os nove classificados eram os melhores. Cada partida seria emocionante. Não tinha almoço grátis para nenhum de nós. Todos teríamos que lutar para ficarmos o mais próximo possível do lugar mais alto do pódio. Eu queria ficar entre o 5 entre os 9 participantes, essa era a minha meta.
O meu primeiro adversário foi o Lucas Pelegrini, um jogador muito hábil e que consegue facilmente decorar as jogadas, projetando os lances em sua mente. Perdi para ele. Comecei mal essa fase. No segundo jogo, enfrentei um jogador chamado Lucas Marques. Empatamos. Meu próximo adversário foi o irmão dele, Paulo Renan. Empatamos novamente. Como estávamos em número ímpar na fase, sempre um ficava no chamado ‘bye’, ou seja, ficava uma rodada sem jogar, ganhando dessa forma, como prêmio, 1 ponto.
No último dia do torneio eu tinha pela frente uma das melhores enxadristas de Curitibanos. Uma pessoa que pensa rápido, joga bem desde pequena e que já representou Curitibanos e outros municípios em torneios estaduais e nacionais. Sabia que seria um jogo difícil, afinal de contas, eu nunca consegui ganhar dela noutros torneios que participamos no passado.
A descrição a seguir é da batalha no tabuleiro entre eu, Antonio Carlos Popinhaki, jogando de peças brancas, contra Julia Goetten Wagner, jogando com peças pretas. O rating dela na plataforma, na ocasião era 1673 contra o meu, também na ocasião, 1488 pontos. Depois da partida, eu avancei para 1509. A partida tinha a duração de 15 minutos, mais 10 segundos de acréscimo de incremento por lance dado. Foi disputada na plataforma chess.com.
Iniciei a partida com a abertura chamada de 'Réti', fazendo três movimentos de ‘pré-move’, ou seja, utilizando-se de um dispositivo da plataforma que dá liberdade para o jogador de antecipar jogadas sem o prejuízo do tempo. Fiz os seguintes lances iniciais no ‘pré-move’: Cf3; Pg3 e Bg2, caracterizando a abertura ‘Réti’. Quase me compliquei no início da partida, pois a Júlia tinha estudado ou visualizado minhas partidas anteriores, sabendo de antemão que eu estou há um bom tempo somente jogando essa abertura quando jogo de brancas. Ela avançou o seu peão da coluna ‘e’, ameaçando o meu cavalo, fazendo com que eu retrocedesse à casa inicial dele, a casa g1. Isso me deixou preocupado, logo no início da partida, pois tive que perder um tempo movendo para trás uma peça que eu já tinha desenvolvido.
Peão chato, fez eu perder 1 tempo |
Após o susto, não me abalei, continuando o desenvolvimento das peças. O jogo prosseguiu dentro de um certo equilíbrio. A Júlia gastava mais tempo do que eu, pensando e analisando, lance após lance. Isso, por si só, já demonstrava o nível mais elevado dela em relação a mim no mundo enxadrístico. Num determinado momento da partida, ela tinha 2 minutos e eu, quase 10. Mesmo com essa diferença toda de tempo, não cantei vitória antecipada, pois conheço a Júlia, e sei que o seu forte são as partidas ‘Blitz’ com tempo reduzido, geralmente 3 ou 5 minutos de duração.
E dito, e feito, a partida ficou muito equilibrada, até que eu já estava com 3 minutos de tempo. Com esse tempo reduzido, consegui certa vantagem de dois peões. Por outro lado, por duas vezes o tempo da Júlia baixou de 20 segundos, colocando pressão sobre as suas rápidas tomadas de decisão. Na partida teve até um golpe tático que eu percebi tardiamente, quando ela avançou um Bispo na diagonal branca, ameaçando simultaneamente a Torre e pregando a Rainha na mesma diagonal. Felizmente, com algumas jogadas, meio que desesperadas, consegui persuadir a adversária a não optar pela captura da minha Torre, e muito menos da Rainha que logo tratei de tirar da pregadura.
Golpe Tático, deixando a Rainha pregada |
O jogo seguiu equilibrado, até que ameacei ‘mate’ em um lance, o que fez a Júlia parar de tentar me atacar e apenas se defender. Acredito que nesse momento, o seu psicológico já estava dizendo como seria o desfecho dessa partida. Comecei a ficar com superioridade de peças no tabuleiro, por essa razão, propus duas vezes a troca de Rainhas, o que foi recusado, também duas vezes pela adversária.
Ameaçando Mate em 1 lance |
No lance 39 a Júlia me deu xeque com sua Rainha, deixando desprotegido o seu único Bispo. No lance 40, ela capturou um Peão defensor que estava na casa g3, esquecendo-se do Bispo desprotegido. No lance 41, capturei o Bispo, dando-lhe ‘xeque’. Ela retrocedeu com o Rei na coluna ‘h’. Lance 42, capturei mais um peão, dando-lhe novamente ‘xeque’. A partida chegou ao seu fim, pois a Júlia desistiu imediatamente, sem muito pensar.
A superioridade de peças no tabuleiro a meu favor, aliada à vantagem do tempo no relógio, não poderia dar um resultado diferente, ou seja, a minha vitória. A partida foi muito emocionante. Tomei 3 copos de água enquanto pensava no intervalo dos lances, durante a partida. Isso para tentar me acalmar e me ajudar na concentração das melhores tomadas de decisão.
A partida terminou, o torneio terminou. Fiquei em terceiro lugar. O grande vencedor do torneio, que ficou em primeiro lugar, abriu mão do prêmio, sendo assim, de terceiro, fiquei com o segundo lugar. Isso foi emocionante e gratificante. Foi mesmo uma emocionante partida de xadrez.
Imagens da plataforma: chess.com
Link da partida: https://www.chess.com/game/live/12867817655
A Partida!
Cf3 - Cc6
g3 - e5
Bg2 - e4
Cg1 - d5
f3 - f5
b3 - Cf6
Bb2 - Bd6
e3 - O-O
Ce2 - Ce5
O-O - De8
c4 - exf3
Bxf3 - Cxf3+
Txf3 - dxc4
bxc4 - f4
Cxf4 - Bg4
d3 - Ch5
Cd2 - Cxf4
exf4 - Dh5
Tc1 - b6
De2 - Tfe8
Df2 - Tad8
Te3 - Txe3
Dxe3 - Te8
Ce4 - Bh3
Dd4 - Dg6
Cxd6 - cxd6
Rf2 - h5
Te1 - Txe1
Rxe1 -De6+
De4 - Df7
Df3 - Bg4
Dd5 - Be6
Dxd6 - Bf5
Dd4 - De8+
De5 - Df7
Rd2 - Rh7
De3 - Dg6
h4 - Dc6
De5 - Dg2+
Rc3 - Dxg3
Dxf5+ - Rh8
Dxh5+ - 1-0
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